Violência doméstica: ação ou omissão baseada no gênero que cause à mulher dano moral ou patrimonial

Violência doméstica: ação ou omissão baseada no gênero que cause à mulher dano moral ou patrimonial

Violência doméstica: ação ou omissão baseada no gênero que cause à mulher dano moral ou patrimonial

 

A palavra “violência” pode nos trazer alguns elementos que possam esclarecer a ideia proposta no estudo em contrusção. Há uma pluralidade de acepções para a palavra “violência” e o seu conceito é considerado com uma certa amplitude por não existir um gênero e uma diferença específica que possam embasar essa definição. Mas, buscaremos o seu significado morfológico recorrendo a própria etimologia da violencia com procedência no substantivo latino violentiaae e significa veemência e impetuosidade e remete a vis, que significa força, o termo grego correspondente pode significar força vital. A etimología mostra, portanto, um componente que pode ser estendido para o mundo vital não humano e até mesmo para fenômenos físicos, como é o caso da força do mar ou de uma tempestade. Mas há nessa extensão um elemento projetivo, antropomórfico, pois o substantivo latino violentia está ligado ao verbo violare, de onde provém “violar” significando também infringir, transgredir, profanar, tratar com irreverência coisas sagradas, devassar, como em “violar um segredo”, do mesmo modo que no grego o verbo violar também significa “transgressão (BAILLY, 1950; GAFFIOT, 1934; PEREIRA, 1951).

Sendo assim, Violência doméstica é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, praticada por agressor que conviva ou tenha convivido com a agredida, independentemente de coabitação (Art. 5º da lei Maria da Penha).

Ainda, entende-se por violência o uso da força para produzir algum dano e por abuso a interação existente em uma relação de poder, em que a parte mais forte ocasiona danos físicos ou psicológicos a mais frágil. Na maioria das vezes as agressões partem dos próprios companheiros, e não há um nível sócio-econômico que defina o perfil do agressor que pode ser de qualquer classe social. E o segredo torna-se fundamental para a manutenção da violência dentro de casa, e é mantido por ameaça e seduções muitas vezes fazendo com que toda a família esteja aprisionada em uma relação de sofrimento (WEBER, 2005).

Advoga ser o ápice da sociedade dos indivíduos. O maior grau de complexidade das relações sociais, a divisão do trabalho, a secularização do mundo, a disseminação das relações jurídicas fundamentam-se numa identidade pública e privada. As expectativas  políticas caminham na direção da constituição de uma esfera pública, em que as atividades políticas ganharam regulamentação normativa e a esfera privada se desdobra em uma esfera da intimidade (SENNETT, 1988). A violência é um instrumento necessário de imposição da ordem jurídica do soberano e o princípio motor das relações sociais. Nas democracias ocidentais, ela é tida como mal necessário (WEBER, 1984).

Para Weber que, define "um Estado é uma comunidade humana que se atribui o monopólio legítimo da violência física, nos limites de um território definido". Todavia, na contemporaneidade, "o direito ao emprego da coação física pode ser assumido por outras instituições à medida que o Estado permita", embora, o Estado seja a "fonte única do direto de recorrer à força" (WEBER, 2003, p.9).

Argumenta o autor que, embora a força não se constitua única do Estado, constitui-se em elemento específico deste. Para ele, o Estado moderno ou o Estado capitalista é uma instituição política caracterizada pela "relação de homens que dominam seus iguais", através da "violência legítima". Todavia, para que essa instituição dominadora exista, faz-se necessário que haja concordância por parte dos dominados com "a suposta autoridade dos poderes dominantes" (WEBER, 2003, p. 10).

 

A violência uma maneira ativa de flagrante como manifestação do poder político do Estado

 

A garantia da dominação, por parte do Estado moderno, dá-se a partir de três formas distintas: a) dominação tradicional, que segundo ele se fundamenta na "autoridade do passado eterno, ou seja, nos costumes consagrados por meio de validade imemorial e da disposição de respeitá-los; assim como a dominação tradicional exercida pelo patriarca ou pelo príncipe patrimonial de outrora"; b) dominação carismática, que tem como princípio "a devoção e a confiança absolutamente pessoais na relação, no heroísmo ou em outras qualidades de caráter eminentemente pessoal", a exemplo da dominação exercida pelo profeta ou mesmo no campo político pelo guerreiro eleito, pelo governante empossado por plebiscito, pelo grande demagogo e pelo chefe de um partido político; c) dominação legal, balizada na "crença da validade do estatuto legal e da competência funcional baseada em normas racionalmente definidas. "Essa se constitui na dominação exercida pelo moderno servidor do Estado e por todos os detentores do poder a ele assemelhados" (WEBER, 2003, p. 12 -11).

Classificadas por Weber como tipos ideais, essas três formas de dominação tendem a aparecer na estrutura do Estado de forma interligada, todavia ele considere que uma das características marcantes do Estado capitalista é apoiar-se na dominação legal. Ou seja, o domínio no Estado capitalista tem como substrato primordial o ordenamento jurídico, apoiado na centralização do poder nas mãos dos administradores, cuja mediatização vai se dar através da burocracia estatal (WEBER, 2003, p. 19).

A teoria social considera, com insistência, que a violência é a mais flagrante manifestação do poder político do Estado e uma das formas modernas desse poder tem relação com a burocracia, nas democracias de massa, e com o nacionalismo, nos regimes totalitários. Dentro do contexto da racionalização da cultura, do processo de produção capitalista, da empresa capitalista e dos contratos jurídicos, Max Weber vê como símbolo da racionalidade burocrática a dominação que o homem exerce sobre outro homem de maneira calculada e fria, segundo critérios que extrapolam os valores substantivos. O estado moderno somente existiria dentro de uma lógica de sujeições que são legitimadas pela crença na lei, na tradição ou no carisma. Para ele, “o Estado consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada no instrumento da violência legítima. O Estado somente pode existir, portanto, sob condição de que os homens dominados se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores” (WEBER, 1984: 57). O poder está presente sempre a chance afirmar minha vontade própria contra a resistência de outros. Nesse sentido, o Estado, ao reivindicar o monopólio do uso legítimo da força física, o faz na condição primordial de que a força deixe de ser exercida pela sociedade, pelos indivíduos, reduzindo assim as zonas de conflito e violência dentro de uma ordem social agora pacificada. O Estado, portanto, através do discurso e das práticas jurídicas, emergiu como instância privilegiada do uso da força física e da aplicação do direito. (WEBER, 1984: 56).

Segundo pesquisa realizada pelo Ibope, solicitada pelo Instituto Patrícia Galvão, em 2006, para 55% da população a violência é um dos três principais problemas que afligem as mulheres e 51% dos entrevistados declararam conhecer ao menos uma mulher que já foi agredida pelo seu companheiro. Dados da Fundação Perseu Abramo, resultantes de pesquisa realizada em 2001, denominada “A mulher nos espaços público e privado”, apontam que, a cada 15 segundos, uma mulher é espancada no Brasil (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2006).

Ademais os efeitos da violência doméstica e familiar contra a mulher têm reflexos na sociedade e no Estado, mormente porque é um problema de saúde pública, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde, tanto pela sua dimensão quanto pela gravidade das séquelas orgânicas e emocionais que produz (ALVES & FILHO, 1996 e 1998) podendo se manifestar de diferentes formas e nos mais diversos espaços da sociedade, independentemente da classe social, da idade, da raça/etnia, do tipo de cultura ou do grau de desenvolvimento econômico do país, gerando custos para os serviços de saúde espalhados pelo país (https://www.opas.org.br/cedoc/hpp/ml03/0329.pdf).

Os sociólogos Max Weber, N. Elias e H. Blummer deram contribuições importantes para pensarmos de uma forma dialética, assim como alguns psicólogos como Vigotsky, Allpot e Lewin abordaram de certa forma a construção dialética do sujeito. Weber, por exemplo, “dentro do conceito de ação social tenta integrar dentro do desenvolvimento de seu pensamento o social e o individual”. (apud REY, 1997:76).

 

O fenômeno da violência doméstica de gênero um dos imensos problemas de interesse sociológico

 

É sabido que a violência é um problema de grande interesse sociológico e que preocupou os percusores da ciência. Longe de se tratar de fatos esporádicos, ou limitados ao âmbito individual, trata-se eminentemente de um fato social, na perspectiva durkheimiana do conceito de Max Weber. Vale a pena recorrer a Max Weber, em sua obra Economia e Sociedade, que apresentou a seguinte definição de lei:

 

“A lei existe quando há uma probabilidade de que a ordem seja mantida por um quadro específico de homens que usarão a força física ou psíquica com a intenção de obter conformidade com a ordem, ou impor sanções pela sua violação. A estrutura de toda ordem jurídica influi diretamente na distribuição do poder econômico ou qualquer outro, dentro de sua respectiva comunidade. Isso é válido para todas as ordens jurídicas e não apenas para o Estado. Em geral, entendemos por poder‟ a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens, realize sua vontade própria numa ação comunitária até mesmo contra a resistência de outras que participam da ação” (WEBER, p.126)

 

Ainda assinala Weber que, fala da ordem jurídica como influindo na distribuição do poder. Isso significa que uma ordem jurídica, que assegura a prevalência das leis, tanto assegura poder a determinadas classes ou categorias sociais, quanto retira poder, no seio de uma determinada comunidade. Uma lei que restringe o poder masculino sobre o corpo feminino, em tese, estaria redistribuindo poder em favor das mulheres. A citação também chama a atenção que a lei determina que os mantenedores da ordem social são aqueles membros do quadro social específico a quem cabe o poder de impor a ordem legal, inclusive pela força física, daí o grande poder associado às leis. Não é qualquer um que pode impor a vontade a outrem pela força, a seu bel-prazer de acordo com o mesmo autor.

Max Weber, elaborou o conceito de ação social para captar o sentido das ações praticadas pelos atores sociais. Para o autor de Economia e Sociedade (1994) a ação social e orientada pela conduta do outro. Por isso a sociologia, para Weber, busca compreender e interpretar o sentido, o desenvolvimento e os efeitos da conduta de um ou mais indivíduos referida a outro ou outros. Dependendo do grau de racionalidade contida na ação haverá maior ou menor compreensibilidade da mesma na explicação sociológica:

 

(...) somente a ação com sentido pode ser compreendida pela Sociologia, a qual constrói tipos ou modelos explicativos abstratos para cuja construção levam-se em conta tanto as conexões de sentido racionais, cuja interpretação se dá como maior evidência, quando as não-racionais, sobre as quais a interpretação alcança menor clareza. (QUINTANEIRO, 2002, p. 115).

 

Percebendo as diferentes maneiras dos atores sociais agirem em sociedade Weber (1994) estabeleceu quatro tipos puros de ação. São elas: 1) a ação racional referente a fins, 2) a ação racional referente a valores, 3) a ação afetiva ou emocional e 4) ação tradicional. As duas primeiras são entendidas como racionais porque os agentes destas sempre levam em consideração os fins últimos da sua conduta. Já a ação racional referente a valores pode ser exemplificada pelas condutas que primam pelas suas convicções, sendo fiel a valores que os sujeitos dessa ação prezam como a honra, a dignidade, a honestidade. As duas últimas não são consideradas racionais por Weber porque não são orientadas de maneira significativamente consciente pelo seu agente. Dessa forma, a ação afetiva ocorre quando o sujeito age de acordo com suas emoções imediatas como a vingança, o desespero, a admiração, o orgulho, o medo, o entusiasmo e etc. A ação tradicional ocorre por meio de hábitos e costumes arraigados, geralmente, é uma reação a estímulos habituais, sendo a maioria das ações cotidianas habituais desse tipo segundo Weber.

Aduz Max Weber que, o crime passional pode ser entendido tanto por meio da ação racional referente a valores, como também, pela ação afetiva ou emocional. Isso porque cada caso apresenta certas especificidades que os diferenciam entre sí. É importante salientar que nesse caso o outro tipo de ação também se faz presente, não podemos esquecer que Weber nos alertou sobre o fato da realidade ser mais complexa do que uma classificação de ações.

 

A compreensão da violência contra a mulher na busca para superar a dicotomia objetivo/subjetivo.

 

As contribuições teóricas deixadas por Bourdieu (2003) que vêm a somar a compreensão das construções de gênero e patriarcado como aspectos da cultura, internalizados dentro do próprio sujeito, efetivando-se como uma relação dialética e possuem implicações na violencia doméstica contra mulher.

Dessa maneira, já Bourdieu (2003) traz em seus estudos conceitos que nos permitem ampliar e complementar a compreensão da violência contra a mulher, porque busca superar a dicotomia objetivo/subjetivo, construindo uma relação dialética para a compreensão das práticas e representações sociais, tendo a dimensão simbólica como referencial. Seus estudos se situam em um momento histórico em que as instituições acreditavam-se neutras, capazes de oferecer igualdade de oportunidades, ficando o desempenho e o “sucesso” de cada sujeito como mérito de seu próprio empenho.

Ainda Bourdieu (2003) oferece, por volta de 1960, um paradigma para a compreensão dos fenômenos sociais que contém um potencial crítico que revolucionou as concepções dominantes. Este novo paradigma visava compreender a prática fora de uma perspectiva objetivista reificação da ordem social, que transcende o indivíduo, e também, fora de uma perceptiva subjetivista, produto consciente e intencional de uma ação individual. O novo paradigma construído por Bourdieu (2003) contemplou assim, a dialética entre as condições estruturais, apreendidas da cultura e as singularidades, inerentes à trajetória de cada sujeito.

Pierre Bourdieu (2002), por sua vez, ofereceu subsídios para o entendimento da dominação masculina como propulsora da subjugação das mulheres nas sociedades. Bourdieu expõe, de maneira bastante arguta, a existência de um poder disciplinar que atribui poder simbólico sobre os corpos, que os diferenciam e os distinguem em termos de valor, prestígio e define hierarquias.

Ralf Dahrendorf (1994), um dos representantes da Sociologia do Conflito, sustenta a normalidade das mudanças e dos conflitos sociais, e a coesão social não é derivada do consenso sobre valores comuns, e sim da coação exercida pelos mecanismos de controle. Seguindo as lições de Max Weber, Dahendorf concebe a sociedade como um emaranhado de grupos de interesse. A desigualdade na distribuição do poder e da autoridade gera dois tipos de grupos: os que detêm o poder e a autoridade e os que estão submetidos ao controle dos primeiros. Estes grupos se encontram permanentemente em conflito e estão sempre empenhados em conseguir transformar as normas e valores para conseguir que os sistemas de estratificação social e de avaliação moral se modifiquem. Ao promover a adequação da estrutura social às condições sociais emergentes, com a mediação das instituições democráticas, os conflitos contribuem para um desenvolvimento social mais justo e efetivo da ordem social segundo o mesmo autor.

Afirma Dominguez Figueirido que:

La explicación que nos ofrece la sociología del conflict sobre la relación entre conflicto social y orden normativo adolece de uma cierta simplificación mecanicista. Salvo una genérica referencia a la instrumentalización del derecho por parte de los poderosos, poco se explica sobre la función del sistema jurídico en el sistema social y menos sobre la dinámica de desarrollo de los procesos de criminalización primaria. El legislativo se imagina, tras la lectura de los conflictualistas, como una simple correa de transmisión de los deseos del poder del más fuerte. Y una explicación de este tipo resulta, si cabe, más insuficiente en el contexto del Estado de Bienestar, en el cual el sistema jurídico asume complejas tareas de integración social a través de la coordinación de los intereses de los diversos sectores sociales. (DOMINGUEZ FIGUEIRIDO, 2003, p. 252).

 

Weber perfila, nesta matéria, a tradição kantiana ao afirmar: "por estado deve entender-se um instituto político de atividade contínua, quando e na medida em que seu quadro administrativo mantenha com êxito a pretensão ao monopólio legítimo da coação física para a manutenção da ordem vigente" (WEBER, 1974 [1921], v.1, p.43-44).

Ademais no conceito weberiano de estado que envolve três componentes essenciais: monopólio legítimo da violência, dominação e território. O estado moderno é justamente a comunidade política que expropria dos particulares o direito de recorrer à violência como forma de resolução de seus conflitos. Na sociedade moderna, não há, por conseguinte, qualquer outro grupo particular ou comunidade humana com "direito" ao recurso à violência como forma de resolução de conflitos nas relações interpessoais ou intersubjetivas, ou ainda nas relações entre os cidadãos e o estado. Sob esta perspectiva, é preciso considerar que, quando Max Weber está falando em violência física legítima, ele não está sob qualquer hipótese sustentando que toda e qualquer violencia é justificável sempre que em nome do estado. Fosse assim, não haveria como diferenciar o estado de direito do poder estatal que se vale do uso abusivo e arbitrário da força. Justamente, por legitimidade, Weber está identificando limites ao emprego da força. Esses limites estão, em parte, dados pelos fins da ação política que dela se vale. São duas as situações "toleráveis": por um lado, emprego de força física para conter agressão externa provocada por potencia estrangeira e assegurar a independência de estado soberano; por outro, emprego da força física para evitar o fracionamento interno de uma comunidade política ameaçada por conflitos internos e pela guerra civil coforrme o mesmo autor.

Mas, é preciso ainda lembrar que os processos da aplicação das leis era preciso estar nas mãos de peritos, que fossem racionalmente treinados, o que significava uma especialização nas universidades, aprofundando-se no Direito Romano, fundamento do direito racional moderno. Pode-se, portanto, resumir o que Max Weber entende por estado, uma “... entidade política, com uma constituição racionalmente redigida, um direito racionalmente ordenado e uma administração orientada por regras racionais ou as leis, tudo administrado por funcionários treinados. ” (WEBER, 2005, p. 9).

Adetra Weber que, através do proceso de positivação do direito, que desvincula o sistema jurídico de sua tradicional vinculação com o sagrado substituído pela decisão obtida por procedimentos pré-estabelecidos. Dessa forma, a eficacia do sistema de direito positivo depende não tanto da adequação de um conteúdo das normas jurídicas às exigências concretas dos particulares quanto da adequação dos modos de produção dessas normas às exigências de racionalidade e de controle que o nível de complexidade alcançado pelo sistema social e pelo seu entorno requerem em cada momento. Um sistema jurídico que funcione adequadamente obtém a sua legitimidade na medida em que é capaz de produzir uma prontidão generalizada para a aceitação de suas decisões, ainda indeterminadas quanto ao seu conteúdo concreto, graças a um procedimento judicial que imuniza a decisão final contra as decepções inevitáveis.

Conforme Hobbes, um dos teóricos contratualistas, antes do advento do Estado, os homens viviam num estado de natureza, onde não havia autoridade, nem garantia de direitos, tendo os indivíduos livres, por meio de um pacto, decidido se submeter a um soberano, saindo, pois do estado de natureza e entrando no estado civil.

 

A sociedade, a visão androcêntrica do preconceito desfavorável contra o feminino.

 

As sociedades em que o masculino é o paradigma de toda as coisas, a visão androcêntrica é continuamente legitimada pelas próprias práticas que ela determina, pelo fato de “suas disposições resultarem da incorporação do preconceito desfavorável contra o feminino, instituído na ordem das coisas, as mulheres não podem senão confirmar seguidamente tal preconceito” Boudier (2002, 2007).  A manutenção da violência doméstica conjugal na atualidade encontra-se, pois, inserida no contexto de uma estrutura social, representada por forças institucionais e ideológicas que formatam e constrangem a vida das pessoas. Pode-se dizer, seguindo pensamento de Boudier (2002), que o uso da violência doméstica contra a mulher contribui no trabalho incessante de reprodução das estruturas de dominação.

Max Webber, diz que o poder se exerce a partir da possibilidade de impor sua vontade, mesmo que esta seja contra toda a resistência. Portanto, distingui-se poder de dominação, pois nesta visão há uma aceitação do dominado, enquanto no poder haveria uma resistência. Podemos dizer que o poder não designa uma legitimidade, ao contrário da dominação que designa a obediencia pela razão, carisma e persuasão. O outro olhar de poder, de origem marxista, foi classificado como um poder que está ligado à classe social. No entanto, a autora entende que esse conceito de poder não seria útil para responder questionamentos como a dimensão da dominação, opressão e exploração.

          De acordo com Bourdieu (2001), violência seria uma forma de violência invisível, insensível, suave as suas próprias vítimas, a qual se exerce essencialmente pelas vias simbólicas da comunicação e do conhecimento. Bourdieu (2002), a força masculina é aceita na ordem social de forma plausível, ou seja, não precisa ser justificada para ser aceita. Essa força é estabelecida como neutra e compõem esquemas de pensamentos objetivos no modo de atuar e ser na sociedade, e também na forma de entender e admirar o mundo a partir do espaço social que cada um ocupa. No mundo masculino há um reconhecimento social, enquanto no feminino é regado de invisibilidade e falta de valor.

A violência deve-se ao fato do homem ocupar um lugar superior do que a mulher na sociedade. Aqui, a mulher é apresentada apenas como um objeto sexual. Segundo Bourdieu (2007), a classe que domina impõe a cultura sobre os dominados. “O fundamento da violência simbólica reside nas disposições modeladas pelas estruturas de dominação que a produzem” (BOURDIEU, 2007, p. 54).

De acordo com Boudieu (1999 apud Osterne, 2008, p.62):

 

A violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, faz esta relação ser vista como natural; ou, em outros termos, quando os esquemas que ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os dominantes (elevado/baixo, branco/negro e etc.), resulta da incorporação de classificações, assim naturalizadas, de que seu ser social é produto. (BOUDIEU, 1999 apud Osterne, 2008, p.62)

 

 

Para Bourdieu (2000), a violência se dá de forma sutil, sensível e invisível e suas próprias vitimas. Para o autor ela ocorre através da comunicação, do conhecimento, do reconhecimento, do desconhecimento e do sentimento.

Weber descreve o estado racional com mais ênfase quando fala do monopólio da violência. Para ele, “O estado é uma associação que pretende o monopólio do uso legítimo da violência, e não pode ser definido de outra forma.” (WEBER, 1982, p. 383).

No que tange aos Direitos Humanos, como mostra Norberto Bobbio (1992), estes têm como marco a criação do Estado moderno. Isso significa dizer que para esse autor a história dos Direitos Humanos tem como referência a positivação dos direitos, convergindo para "o direito legislado, produzido segundo as condições sociais de cada época", não sendo a forma escrita a única, mas sendo esta a "condição fundamental da positividade do direito e de sua realização pelo menos nas sociedades complexas modernas", segundo corrobora o jurista Hermes Lima (2000, p. 40).

Ao se falar da expansão dos Direitos Humanos, numa perspectiva histórica conforme propõe Bobbio, deve levar-se em consideração "que o desenvolvimento da teoria e da prática dos direitos do homem ocorreu, a partir do final da guerra, essencialmente em duas direções: na direção de sua universalização e de sua multiplicação" (BOBBIO, 1992, p. 67).

Essa afirmativa remete à discussão sobre a ampliação do conteúdo dos direitos, dos sujeitos de direitos, assim como a conexão entre Direitos Humanos e sociedade, sobretudo quando se adota a premissa de que os Direitos Humanos devem ser tomados como uma construção social, ligados à dinâmica da sociedade (BOBBIO, 1992).

Deste modo, em consonância com a perspectiva histórica, os Direitos Humanos perpassam por uma demarcação temporal e espacial, e são frutos do protagonismo social. Porém, o conteúdo dos Direitos Humanos alcançado na atualidade foi construído durante séculos e foi resultante de lutas e conquistas de homens e mulheres. Isso ocorreu quando estes, em determinado contexto histórico, estiveram em luta contra a exploração, a exclusão e a injustiça social, tendo em vista a conquista da liberdade, da igualdade, da emancipação, da inclusão e da dignidade humana em condições reais para toda a coletividade (BOBBIO, 1992).

Considerando o percurso da história, a emergência dos Direitos Humanos tem como referência a luta contra os soberanos absolutos. Portanto, caracterizados como liberdades individuais e focados nos direitos civis, que convergem para o sujeito de direito, e não mais a sujeição ao soberano, os Direitos Humanos, "nascem contra o superpoder do Estado - e, portanto, com o objetivo de limitar o poder do soberano". Esses são configurados como liberdade negativa, uma vez que sua garantia fica a depender da não intervenção do Estado na liberdade dos indivíduos (BOBBIO, 1992, 72).

Uma revisão da literária nos permitiu adentrar nos principais eixos articulam o a respeito da nova à lei em aspectos técnicos e abordagens sociológicas. Para tanto, além novas mudanças instiuidas na nova legislação no âmbito judicial aos casos de violência contra a mulher.

 

A impunidade, desigualdade relacionados à questão de gênero

 

Para Scott a impunidade, desigualdade na distribuição da Justiça, acesso à Justiça não são temas relacionados exclusivamente à questão de gênero, embora nesta interface adquiram algumas especificidades que têm sido reiteradamente apontadas pelos estudos que assumem a perspectiva de gênero em suas análises, entre elas a manutenção da submissão da mulher na sociedade e sua redução a uma cidadania de segunda classe. Neste sentido, os estudos sobre violência de gênero muito podem se beneficiar de outras análises sobre a desigualdade da perspectiva de raça e de classe social. Esta se constitui numa boa maneira de se verificar como a transversalidade de gênero (SCOTT, 1988) opera como obstáculo para a consolidação da cidadania baseada na universalidade dos direitos humanos e na eqüidade de gênero.

Um dos pilares fundamentais para este estudo situa-se na sociologia do Direito de Max Weber. A atualidade da sociologia weberiana para as análises sobre Direito e Justiça nas sociedades contemporâneas tem sido reconhecida especialmente no que se refere ao seu conceito de monopólio da violência pelo Estado e a formação do Direito Moderno como esfera racional. (SOUZA, 2000; ADORNO, 2003).

Para Weber (1991,1982) o Direito nas sociedades modernas se caracteriza pela presença de um corpo de especialistas (juristas) formadas pelas Escolas de Direitos e treinados dentro de uma racionalidade jurídico-formal. Para seu funcionamento, o Direito também precisa de um aparato que é composto por um corpo de funcionários especializado escolhidos por sua competência e conhecimento técnico e de um conjunto de normas gerais impessoais que deverão ser aplicadas a casos concretos mediante lógica formal, abstrata e imparcial. Juntos, esses componentes formam a burocracia que segundo Weber seria a base do modo de dominação nas sociedades modernas capitalistas.

O Sistema de Justiça brasileiro é um sistema liberal baseado na igualdade de todos perante as leis, organizado numa estrutura burocrática, fragmentada, hierarquizada, encarregada de operacionalizar o conjunto de leis e regras normatizado no Direito Positivo, expressão do monopólio estatal da legalidade. (SOUZA SANTOS, 1985; WEBER, 1991).

O decorrer do estudo justifica-se com base na justiça e violência contra a mulher, os estudos fundamentam-se nas questões de gênero sem precisar o cenário jurídico. O enfoque nesse cenário consiste nas questões relativas a violência de gênero. Para tanto, a relação entre gênero e Justiça tem sido caracterizada com enfoque negativo. Todavia, pretende-se neste trabalho constitui num espaço para mulheres em situações de violência.

 

O Direito como instrumento de conservação e contenção social

 

As possibilidades de integração da perspectiva de gênero na doutrina jurídica brasileira, argumenta que esta ordem jurídica reúne num mesmo sistema normativo instrumentos jurídicos contemporâneos e innovadores (como a Constituição Federal e os Instrumentos Internacionais de proteção dos direitos humanos) e outros anacrônicos como o Código Civil de 1916 e o Código Penal de 1940.14 Esta convivência reveste-se de tensão entre valores. No que tange à condição da mulher, Piovesan afirma que enquanto a Constituição e os Instrumentos Internacionais consagram a igualdade entre homens e mulheres, o dever de promovera igualdade e proibir a discriminação, os Códigos Civil e Penal adotam uma “perspectiva androcêntrica, (segundo a qual a perspectiva masculina é central e o homem é o paradigma da humanidade) e discriminatória com relação à mulher”. (PIOVESAN, 2003: 155).

Ainda, Piovesan sugere que é necessário “atacar” o problema em duas frentes: de um lado mudando o ensino jurídico como forma de transformar o perfil conservador dos agentes jurídicos “que em sua maioria concebem o Direito como instrumento de conservação e contenção social e não como instrumento de transformação social” (p. 157). Além disso, é preciso investir esforços para “criar uma doutrina jurídica, sob a perspectiva de gênero, que seja capaz de visualizar a mulher e fazer visíveis as relações de poder entre os sexos”. (p. 158).

Para a violência de gênero, análises deste tipo aplicam-se aos casos de homicídio, ou aos crimes sexuais, mas não são apropriadas para os casos que envolvem lesões corporais e ameaças ocorridas nas relações conjugais, uma vez que nestes casos, o desejo da mulher (vítima) é determinante para que cheguem à Justiça, além de influenciar seu movimento no fluxo. Desta perspectiva, a metáfora da pirâmide é mais adequada para a análise proposta neste trabalho. Aplica-se a este caso a afirmação de Santos de que “(...) o tribunal de primeira instância chamado a resolver o litígio é, sociologicamente, quase sempre uma instância de recurso, isto é, acionado depois de terem falhado outros mecanismos informais utilizados numa primeira tentativa de resolução”. (SOUZA SANTOS,1996: 49).

Para entender o deslocamento das mulheres entre os dois espaços – público/privado, discurso jurídico formal/outros discursos de direitos – pode ser útil definir esse movimento a partir do conceito de ação social em Weber. Segundo a teoría weberiana a ação social tem origem na vontade racional dos agentes que agem a partir das necessidades concretas de sua vivência em sociedade e são a “única entidade que consegue conferir sentido às ações” (WEBER, 1982: 28).

 

História da Sexualidade embasadas em análises de Michel Foucault ao pensamento presente no feminismo

 

Em a História da Sexualidade – volume I, Foucault formula cinco aspectos que definem poder: (1) o poder não é algo que se adquira, arrebate ou compartilhe; algo que se guarde ou deixe escapar; o poder se exerce e só existe como ato/ação; (2) as relações de poder não são exteriores a outros tipos de relação (econômicas, de conhecimento, sexuais), mas lhe são imanentes, desempenhando papel de reprodução dessas relações; (3) o poder não é algo que parte de um ponto central, exterior e emana de forma descendente sobre a sociedade. O poder é algo que se produz e reproduz nas relações entre as pessoas, cujas relações desenham campos de força, móveis e desiguais. É essa desigualdade que induz a “estados de poder”; (4) o poder é onipresente, está em toda as partes não porque engloba tudo, mas porque nasce de todos os lugares, se produz a cada instante, em toda a relação entre um ponto e outro; (5) onde há poder há resistência. Esses pontos de resistência móveis e transitórios, que introduzem na sociedade clivagens que se deslocam, rompem unidades e suscitam novos reagrupamentos. (FOUCAULT, 2001: 89-92).

Foucault (2001) argumenta que parte da rejeição ao pensamento presente no feminismo deve-se a leituras particulares sobre sua obra, ou a determinados períodos de sua obra. Uma das críticas presentes entre as teóricas feministas é de que a microfísica do poder, como proposta por Foucault, permite entender como as relações se estruturam no cotidiano, mas não permite explicar as estruturas globais de dominação. “Esse tipo de crítica indica falta de familiaridade com o trabalho de Foucault sobre governabilidade (...) Foucault não nega que as práticas microfísicas de poder sejam tomadas de estratégias globais ou macro estratégias de dominação. Ele apenas recusou o privilégio de um centro de poder, o qual é visto permeando a vida cotidiana das pessoas.” (p. 43, 44).

Violência de gênero, nesse estudo, não fundamenta-se nas diferenças dos sexos dos envolvidos, mas embasa-se nas relações entre homens e mulheres em situações intimas.  Para tanto, o uso da justiça e do exercício do poder. As principais contribuições da pesquisa, deve-se a classificação dos fatores que aparentemente estavam presentes na maior parte das agressões definidos como fatores condicionantes (opressão socioeconômica; discriminação da mulher na família, na justiça, etc.; a ideologia machista; educação diferenciada; representação das relações entre os sexos) fatores precipitantes (álcool, tóxicos e estresse), concluindo que nenhum destes fatores pode ser apontado como causa unívoca da violência, podendo contudo influenciar em sua ocorrência para Azevedo (1985). A autora sugere que a violência contra a mulher é de natureza sexista, “(...) um exercício perverso da dominação do macho sobre a fêmea” (AZEVEDO, 1985: 24) e defende uma visão pautada no modelo dominação-submissão que atribui à mulher o papel de vítima e ao homem a responsabilidade pela violência. Nessa abordagem haveria poucas oportunidades de libertação da mulher, uma vez que em nenhuma situação ela seria capaz de se manifestar contra o poder masculino de cordo com o mesmo autor.

Destaca-se o artigo de Marilena Chauí Participando do Debate sobre Violência Contra a Mulher (1984). A principal referência extraída deste trabalho é a definição de violência, segundo a qual as diferenças seriam convertidas em desigualdades, servindo desta forma à dominação, exploração e opressão dos homens em relação às mulheres. Segundo sua hipótese, “a subjetividade feminina seria constituída heteronomamente, ou seja, externamente às mulheres, através de um discurso masculino que é entendido não só como aquele que fala sobre as mulheres, mas como aquele cuja existência é possível graças ao silêncio delas” (CHAUÍ, 1984: 45).

Em relação a violência contra a mulher, Bárbara Soares (1999) refere-se ao fascínio que cifras e números exercem sobre aqueles que se dedicam a analisar o problema da violência contra a mulher. Seu exemplo é norte-americano, mas pode ser aplicado a qualquer sociedade. Soares relaciona uma série de números e porcentagens que são utilizados em panfletos e campanhas que visam estimular o combate à violência contra a mulher e alerta para o perigo em se destacar os números do contexto e da lógica em que foram produzidos, sejam pesquisas acadêmico-científicas, sejam instituições de segurança e justiça ou de outra natureza, revelando dados que são contraditórios, que muitas vezes sustentam ideologias, mas nem sempre refletem a realidade.

Saffioti (2002) reforça a idéia de que os estudos e estatísticas revelam apenas parte da violência contra a mulher, pois cada instituição ou tipo de pesquisa, polícia, sistema de saúde, pesquisa com a determinada população – revelará sempre apenas parte dos casos. “Existe uma maneira extremamente cara, tanto do ponto de vista financiero quanto daquele do tempo, de obter esses dados – passar a sociedade na peneira, ir de casa em casa perguntando quem ali sofreu violência e por parte de quem. Ainda assim, não saberíamos quantas mulheres realmente sofrem violência, porque muitas esconderiam o fato do pesquisador.” (p. 35).

Tratando das dificuldades para conceituar a violência doméstica, violencia familiar ou a violência contra a mulher e suas especificidades, Soares (1999) coloca que “(...) queimar uma mulher ou feri-la com uma arma, estuprar uma criança e forçá-la a práticas sexuais são atos facilmente incrimináveis, legal e moralmente, ao menos nas democracias modernas. Outros itens são, contudo, menos óbvios, como xingamentos e palavras que ferem e, sobretudo, o ato de privar um parente de suas necessidades básicas (...).” (Soares, 1999, 69). Ainda segundo esta autora, na sociedade norte-americana, essas outras formas de violencia estariam sendo classificadas como abusos e negligências. Se por um lado, a definição de violência relacionada a atos que provocam dor física é limitada, excluindo os abusos de ordem emocional, por outro lado, a inclusão da negligência, omissão, ameaça verbal e xingamentos como violência não é menos problemático pois, como ressaltou Soares “a intensidade das ameaças e o poder que as palavras tem de ferir uma pessoa dependem do contexto em que são proferidas e da dinâmica de cada relação”. (1999, 71).

Este tema do vínculo afetivo entre mulheres e agressores também reaparece nos debates a respeito da adequação da lei 9099/95 aos casos de violência contra a mulher, especialmente com relação à definição dos crimes como de “menor potencial ofensivo” (MASSULA, s/d; MELO e TELESe, 2002). Argumenta-se que o poder ofensivo de uma agressão entre marido e mulher tem uma profundidade que não pode ser captada pela esfera jurídica por ser subjetiva, ferir as emoções e sentimentos. Essas questões afetivas e morais não são passíveis de mensuração ou de serem convertidas em laudos. Sua concretude não é passível de objetivação e materialização. Daí a dificuldade de se estipular penas ou medidas punitivas que visem a reparação de danos à vítima.

Em uma perspectiva teórica, a origem da violência contra a mulher tem sido, de modo geral, explicada como conseqüência natural e universal das diferenças biológicas entre homens e mulheres (O’TOOLE & SCHIFMANN, 1997). Sob a ótica de gênero, essas diferenças biológicas passaram por um processo de apropriação pela sociedade, de modo que a prática da violência de homens contra mulheres tem origen na adequação ou inadequação aos comportamentos e valores inerentes aos papéis masculino e feminino vigentes em cada sociedade (CORRÊA, 1983). Desta forma, sempre que a mulher deixa de se comportar como seria esperado para seu papel (como esposa, como mãe, como amante, como dona-de-casa) a violência pode ocorrer.

As conclusões do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (KRUG, 2002) corrobora a existência dessa tensão na compreensão dos fatores que estão presentes na violência contra a mulher. Segundo o relatório, recentemente surgiram esforços em estabelecer quais são os fatores de risco de violência contra as mulheres. Foram analisados fatores individuais (histórico pessoal e personalidade), fatores de relacionamento (companheirismo) e fatores comunitários (econômicos e respostas coletivas ao problema). As primeiras conclusões indicam que o único fator que indica risco para as mulheres trata do histórico de violência na família, ou seja, os índices de abuso parecem ser muito maiores entre as mulheres cujos maridos foram vítimas ou testemunharam episódios de violência familiar quando crianças. Sobre o uso de álcool pelos agressores, embora sua freqüência seja elevada nos relatos de violencia contra a mulher, de acordo com o relatório, não foi possível ainda establecer sua magnitude como risco para as mulheres, uma vez que não há consenso se a relação entre álcool e violência é causal. “Muitos pesquisadores acreditam que o álcool funciona como um fator situacional, aumentando a probabilidade de violência ao reduzir as inibições, anuviar o julgamento e coibir a capacidade das pessoas de interpretar os sinais. O excesso de bebidas também pode aumentar a violência de gênero ao estimular as brigas entre os casais. Outros argumentam que o vínculo entre a violência e o álcool depende da cultura e existe apenas em cenários onde a expectativa coletiva é de que a bebida causa ou justifica determinados comportamentos. Na África do Sul, por exemplo, os homens falam em usar o álcool de forma premeditada, para ganhar a coragem necessária para bater em suas parceiras, como acham que é socialmente esperado deles.” (KRUG, 2002: 99).

Entretano, em estudos brasileiros relizados sore a violência contra a mulher, também se encontra a referência à presença do álcool nas agressões. Azevedo (1985) já propunha que o álcool fosse considerado como fator que precipitava a violência, e não como determinante para sua ocorrência. Outro estudo que abordou a questão da presença do álcool e das drogas nas ocorrências de violência contra a mulher (SOARES et al., 1996) ressalta que além das relações de causalidade que são estabelecidas entre álcool e violência, é preciso pensar a respeito da expressão que isto tem na forma como as mulheres constroem seus relatos e elaboram a experiencia pela qual passaram ou vem passando. “Definir o agressor como alcoólatra ou embriagado envolve, sem dúvida, uma acusação. Mas a bebida funcionará como agravante em alguns casos e como atenuante em outros, dependendo dos rumos que tomará o “diálogo” disruptivo ou conciliatório que a vítima estabelece com o agressor e para o qual convoca a mediação da delegacia. Em qualquer um dos casos, contudo, a presença do álcool não fará mais do que acentuar ou minimizar o teor da violência. Nenhum delito se sobrepõe à violência já denunciada: beber não é ilícito.” (SOARES et al, 1996: 88, 89).

 

A postura feminina acerca da violência em relações de géneros como objeto grador de discussões.

 

A postura feminina acerca da violência tem sido objeto grador de discussões que trata as relações violentas. Em modo geral, a presença de condicionantes econômicos ou afetivos, a maior parte dos trabalhos atribui a prática da violência como resultado do modelo patriarcal de relação entre homens e mulheres que ainda impera nas sociedades modernas. Embora alguns autores defendam que não se pode falar em relações patriarcais na atualidade tomando como pressuposto o conceito formulado no início do século passado (DELPHY, 1999, PATEMAN, 1989 e 1993; MESSERSCHIMIDT, 1997) a concepção de uma relação de dominação e submissão entre homens e mulheres continua sendo matriz de muitas análises a respeito da persistência da violência contra a mulher e a resistência das mulheres em lutarem pela condenação de práticas das quais são vítimas diretas.

Conforme D’Oliveira (2000) observou entre as mulheres que procuram os serviços de saúde, para serem ouvidas, elas desenvolvem estratégias que permitem “falar a linguagem das instituições” e desta forma serem ouvidas. Assim, nos serviços de saúde falam sobre sintomas e doenças e nas delegacias de polícia falam sobre crimes. Entretanto, nem sempre elas se vêem como vítimas de crimes e apenas esperam que alguém possa fazer algo para ajudá-las. Dito de outra forma, admitir que elas falam o “discurso da instituição” não significa reconhecer que elas de fato tenham incorporado esse discurso, no caso das delegacias, aquele que trata de crime, violência, ou o discurso militante sobre direitos humanos e cidadania.

Em suma: os discursos a respeito aos casos de violência de gênero e seu impacto no cotidiano na sociedade moderna perpassa varios ámbitos jurídicos instituciolizados corroborando com altos niveis de consequências na vida afetiva –emocional- econômica para diversos lares familiares em todo o mundo . O objetivo principal  deste estudo foi colaborar de alguma maneira para contribuir na construção de conceitos teóricos na violência  de gênero na defesa e proteção dos direitos das mulheres em prol da construção da cidadania.