Violência contra a Mulher: A Dicotomia Objetivo/Subjetivo para a Compreensão das Práticas e Representações Sociais

Violência contra a Mulher: A Dicotomia Objetivo/Subjetivo para a Compreensão das Práticas e Representações Sociais

Violência contra a mulher: A Dicotomia Objetivo/Subjetivo para a Compreensão das Práticas e Representações Sociais

 

                                                                                                                                                                 Por Fabiana Juvêncio

 

 Em seus estudos conceitos que nos permitem ampliar e complementar a compreensão da violência contra a mulher, porque busca superar a dicotomia objetivo/subjetivo, construindo uma relação dialética para a compreensão das práticas e representações sociais, tendo a dimensão simbólica como referencial. Seus estudos se situam em um momento histórico em que as instituições acreditavam-se neutras, capazes de oferecer igualdade de oportunidades, ficando o desempenho e o “sucesso” de cada sujeito como mérito de seu próprio empenho para Bourdieu (2003) .

Bourdieu (2003) oferece, por volta de 1960, um paradigma para a compreensão dos fenômenos sociais que contém um potencial crítico que revolucionou as concepções dominantes. Este novo paradigma visava compreender a prática fora de uma perspectiva objetivista  reificação da ordem social, que transcende o indivíduo, e também, fora de uma perceptiva subjetivista, produto consciente e intencional de uma ação individual. O novo paradigma construído por Bourdieu (2003) contemplou assim, a dialética entre as condições estruturais, apreendidas da cultura e as singularidades, inerentes à trajetória de cada sujeito.

Pierre Bourdieu (2002), por sua vez, ofereceu subsídios para o entendimento da dominação masculina como propulsora da subjugação das mulheres nas sociedades. Bourdieu expõe, de maneira bastante arguta, a existência de um poder disciplinar que atribui poder simbólico sobre os corpos, que os diferenciam e os distinguem em termos de valor, prestígio e define hierarquias.

Ralf Dahrendorf (1994), um dos representantes da Sociologia do Conflito, sustenta a normalidade das mudanças e dos conflitos sociais, e a coesão social não é derivada do consenso sobre valores comuns, e sim da coação exercida pelos mecanismos de controle. Seguindo as lições de Max Weber, Dahendorf concebe a sociedade como um emaranhado de grupos de interesse. A desigualdade na distribuição do poder e da autoridade gera dois tipos de grupos: os que detêm o poder e a autoridade e os que estão submetidos ao controle dos primeiros. Estes grupos se encontram permanentemente em conflito e estão sempre empenhados em conseguir transformar as normas e valores para conseguir que os sistemas de estratificação social e de avaliação moral se modifiquem. Ao promover a adequação da estrutura social às condições sociais emergentes, com a mediação das instituições democráticas, os conflitos contribuem para um desenvolvimento social mais justo e efetivo da ordem social segundo o mesmo autor.

Afirma Dominguez Figueirido que:

La explicación que nos ofrece la sociología del conflict sobre la relación entre conflicto social y orden normativo adolece de uma cierta simplificación mecanicista. Salvo una genérica referencia a la instrumentalización del derecho por parte de los poderosos, poco se explica sobre la función del sistema jurídico en el sistema social y menos sobre la dinámica de desarrollo de los procesos de criminalización primaria. El legislativo se imagina, tras la lectura de los conflictualistas, como una simple correa de transmisión de los deseos del poder del más fuerte. Y una explicación de este tipo resulta, si cabe, más insuficiente en el contexto del Estado de Bienestar, en el cual el sistema jurídico asume complejas tareas de integración social a través de la coordinación de los intereses de los diversos sectores sociales. (DOMINGUEZ FIGUEIRIDO, 2003, p. 252).

 

Weber perfila, nesta matéria, a tradição kantiana ao afirmar: "por estado deve entender-se um instituto político de atividade contínua, quando e na medida em que seu quadro administrativo mantenha com êxito a pretensão ao monopólio legítimo da coação física para a manutenção da ordem vigente" (WEBER, 1974 [1921], v.1, p.43-44).

Ademais no conceito weberiano de estado que envolve três componentes essenciais: monopólio legítimo da violência, dominação e território. O estado moderno é justamente a comunidade política que expropria dos particulares o direito de recorrer à violência como forma de resolução de seus conflitos. Na sociedade moderna, não há, por conseguinte, qualquer outro grupo particular ou comunidade humana com "direito" ao recurso à violência como forma de resolução de conflitos nas relações interpessoais ou intersubjetivas, ou ainda nas relações entre os cidadãos e o estado. Sob esta perspectiva, é preciso considerar que, quando Max Weber está falando em violência física legítima, ele não está sob qualquer hipótese sustentando que toda e qualquer violencia é justificável sempre que em nome do estado. Fosse assim, não haveria como diferenciar o estado de direito do poder estatal que se vale do uso abusivo e arbitrário da força. Justamente, por legitimidade, Weber está identificando limites ao emprego da força. Esses limites estão, em parte, dados pelos fins da ação política que dela se vale. São duas as situações "toleráveis": por um lado, emprego de força física para conter agressão externa provocada por potencia estrangeira e assegurar a independência de estado soberano; por outro, emprego da força física para evitar o fracionamento interno de uma comunidade política ameaçada por conflitos internos e pela guerra civil coforrme o mesmo autor.

Mas, é preciso ainda lembrar que os processos da aplicação das leis era preciso estar nas mãos de peritos, que fossem racionalmente treinados, o que significava uma especialização nas universidades, aprofundando-se no Direito Romano, fundamento do direito racional moderno. Pode-se, portanto, resumir o que Max Weber entende por estado, uma “... entidade política, com uma constituição racionalmente redigida, um direito racionalmente ordenado e uma administração orientada por regras racionais ou as leis, tudo administrado por funcionários treinados.” (WEBER, 2005, p. 9).

Adetra Weber que, através do proceso de positivação do direito, que desvincula o sistema jurídico de sua tradicional vinculação com o sagrado substituído pela decisão obtida por procedimentos pré-estabelecidos. Dessa forma, a eficacia do sistema de direito positivo depende não tanto da adequação de um conteúdo das normas jurídicas às exigências concretas dos particulares quanto da adequação dos modos de produção dessas normas às exigências de racionalidade e de controle que o nível de complexidade alcançado pelo sistema social e pelo seu entorno requerem em cada momento. Um sistema jurídico que funcione adequadamente obtém a sua legitimidade na medida em que é capaz de produzir uma prontidão generalizada para a aceitação de suas decisões, ainda indeterminadas quanto ao seu conteúdo concreto, graças a um procedimento judicial que imuniza a decisão final contra as decepções inevitáveis.

Conforme Hobbes, um dos teóricos contratualistas 50, antes do advento do Estado, os homens viviam num estado de natureza, onde não havia autoridade, nem garantia de direitos, tendo os indivíduos livres, por meio de um pacto, decidido se submeter a um soberano, saindo, pois do estado de natureza e entrando no estado civil.

Já Boudier (2002), retrata que, nas sociedades em que o masculino é o paradigma de todas as coisas, a visão androcêntrica é continuamente legitimada pelas próprias práticas que ela determina, pelo fato de “suas disposições resultarem da incorporação do preconceito desfavorável contra o feminino, instituído na ordem das coisas, as mulheres não podem senão confirmar seguidamente tal preconceito” (2007).  A manutenção da violência doméstica conjugal na atualidade encontra-se, pois, inserida no contexto de uma estrutura social, representada por forças institucionais e ideológicas que formatam e constrangem a vida das pessoas. Pode-se dizer, seguindo pensamento de Boudier (2002), que o uso da violência doméstica contra a mulher contribui no trabalho incessante de reprodução das estruturas de dominação.

Max Webber, diz que o poder se exerce a partir da possibilidade de impor sua vontade, mesmo que esta seja contra toda a resistência. Portanto, distingui-se poder de dominação, pois nesta visão há uma aceitação do dominado, enquanto no poder haveria uma resistência. Podemos dizer que o poder não designa uma legitimidade, ao contrário da dominação que designa a obediencia pela razão, carisma e persuasão. O outro olhar de poder, de origem marxista, foi classificado como um poder que está ligado à classe social. No entanto, a autora entende que esse conceito de poder não seria útil para responder questionamentos como a dimensão da dominação, opressão e exploração.

          De acordo com Bourdieu (2001), violência seria uma forma de violência invisível, insensível, suave as suas próprias vítimas, a qual se exerce essencialmente pelas vias simbólicas da comunicação e do conhecimento. Bourdieu (2002), a força masculina é aceita na ordem social de forma plausível, ou seja, não precisa ser justificada para ser aceita. Essa força é estabelecida como neutra e compõem esquemas de pensamentos objetivos no modo de atuar e ser na sociedade, e também na forma de entender e admirar o mundo a partir do espaço social que cada um ocupa. No mundo masculino há um reconhecimento social, enquanto no feminino é regado de invisibilidade e falta de valor.

A violência deve-se ao fato do homem ocupar um lugar superior do que a mulher na sociedade. Aqui, a mulher é apresentada apenas como um objeto sexual. Segundo Bourdieu (2007), a classe que domina impõe a cultura sobre os dominados. “O fundamento da violência simbólica reside nas disposições modeladas pelas estruturas de dominação que a produzem” (BOURDIEU, 2007, p. 54).

De acordo com Boudieu (1999 apud Osterne, 2008, p.62):

 

A violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, faz esta relação ser vista como natural; ou, em outros termos, quando os esquemas que ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os dominantes (elevado/baixo, branco/negro e etc.), resulta da incorporação de classificações, assim naturalizadas, de que seu ser social é produto. (BOUDIEU, 1999 apud Osterne, 2008, p.62)

 

 

Para Bourdieu (2000), a violência se dá de forma sutil, sensível e invisível e suas próprias vitimas. Para o autor ela ocorre através da comunicação, do conhecimento, do reconhecimento, do desconhecimento e do sentimento.

Weber descreve o estado racional com mais ênfase quando fala do monopólio da violência. Para ele, “O estado é uma associação que pretende o monopólio do uso legítimo da violência, e não pode ser definido de outra forma.” (WEBER, 1982, p. 383).

No que tange aos Direitos Humanos, como mostra Norberto Bobbio (1992), estes têm como marco a criação do Estado moderno. Isso significa dizer que para esse autor a história dos Direitos Humanos tem como referência a positivação dos direitos, convergindo para "o direito legislado, produzido segundo as condições sociais de cada época", não sendo a forma escrita a única, mas sendo esta a "condição fundamental da positividade do direito e de sua realização pelo menos nas sociedades complexas modernas", segundo corrobora o jurista Hermes Lima (2000, p. 40).

Ao se falar da expansão dos Direitos Humanos, numa perspectiva histórica conforme propõe Bobbio, deve levar-se em consideração "que o desenvolvimento da teoria e da prática dos direitos do homem ocorreu, a partir do final da guerra, essencialmente em duas direções: na direção de sua universalização e de sua multiplicação" (BOBBIO, 1992, p. 67).

Essa afirmativa remete à discussão sobre a ampliação do conteúdo dos direitos, dos sujeitos de direitos, assim como a conexão entre Direitos Humanos e sociedade, sobretudo quando se adota a premissa de que os Direitos Humanos devem ser tomados como uma construção social, ligados à dinâmica da sociedade (BOBBIO, 1992).