Reflexões sobre o enfrentamento do tráfico de pessoas no Brasil.

Reflexões sobre o enfrentamento do tráfico de pessoas no Brasil.

REFLEXÕES SOBRE O ENFRENTAMENTO DO TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL.

 

                                                                                               Por Mary Ângela Marques Bruno

 

A Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo (2003), definiu o tráfico de pessoas como o “recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso de forças ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”.

Segundo a ONU, o tráfico de pessoas, movimenta anualmente 32 bilhões de dólares em todo o mundo, sendo que 85% provêm da exploração sexual.

Efetivamente o tráfico de pessoas se consuma quando a vítima é retirada de seu ambiente, de sua cidade e até mesmo de seu país, ficando com sua mobilidade reduzida, perdendo sua liberdade de sair da situação de exploração sexual ou laboral ou do confinamento para remoção de órgãos ou tecidos. Essa mobilidade reduzida que nos referimos se caracteriza por ameaças à pessoa ou aos seus familiares ou pela retenção de seus documentos, entre outras formas de violência que mantenham a vítima junto ao traficante ou à rede criminosa.

Importante relatar que a captação das pessoas em situação de tráfico humano, se dá através da figura que recebe o nome de aliciadores. Esses podem ser homens e mulheres, e são na maioria das vezes, pessoas que fazem parte do círculo de amizades da vítima ou até mesmo de membros da família. Na maioria das vezes, são pessoas com quem as vítimas têm laços afetivos.

Normalmente, os aliciadores apresentam bom nível de escolaridade, são sedutores e tem alto poder de convencimento. Alguns são empresários que trabalham ou se dizem proprietários de casas de show, bares, falsas agências de encontros, matrimônios e modelos, e, as propostas de emprego que fazem geram na vítima perspectivas de futuro e de melhoria da qualidade de vida.

No tráfico para trabalho escravo, os aliciadores, denominados de “gatos”, geralmente fazem propostas para as pessoas desenvolverem suas atividades laborais na agricultura ou pecuária, na construção civil ou em oficinas de costuras. Há casos notórios de imigrantes peruanos, bolivianos e paraguaios aliciados para trabalho análogo ao de escravos em confecções de grandes marcas em São Paulo e regiões.

Para que efetivamente se dê o enfrentamento do tráfico de pessoas, necessário se faz saber, a existência da diferença entre tráfico de pessoas e contrabando de pessoas, a seguir:

a) Consentimento: o contrabando de migrantes, mesmo em condições perigosas e degradantes, envolve o conhecimento e o consentimento da pessoa contrabandeada sobre o ato criminoso. No tráfico de pessoas, o consentimento da vítima de tráfico é irrelevante para que a ação seja caracterizada como tráfico ou exploração de seres humanos, uma vez que ele é, geralmente, obtido sob malogro.

b) Exploração: o contrabando termina com a chegada em seu destino, enquanto o tráfico de pessoas envolve, após a chegada, a exploração da vítima pelos traficantes, para obtenção de algum benefício ou lucro, por meio da exploração. De um ponto de vista prático, as vítimas do tráfico humano tendem a ser mais afetadas severamente e necessitam de uma proteção maior.

c) Caráter Transnacional: Contrabando de migrantes é sempre transnacional, enquanto o tráfico de pessoas pode ocorrer tanto internacionalmente quanto dentro do próprio país.

O Plano Nacional de Enfrentamento foi aprovado por meio do Decreto n.º6.347/2008 e trouxe os compromissos do Governo Brasileiro no enfrentamento ao tráfico de pessoas. As metas e ações foram pensadas com foco em três eixos, quais sejam: a prevenção, a repressão e responsabilização e atenção à vítima.

A partir da construção do Plano Nacional pelo UNODC e outros órgãos onusianos, foi possível lutar pelo efetivo cumprimento dos compromissos assumidos, estabelecer parcerias, com o estado, municípios e também com organizações da sociedade civil.

Não podemos deixar de frisar que o esforço coletivo é de suma importância para que se modifique o patamar do enfrentamento ao tráfico de pessoas, buscando o apoio de todos os países, e por esse motivo é imprescindível para a resolução do problema em comento.

Convém ressaltar que juridicamente falando, o tráfico de seres humanos constitui uma clara violação dos direitos da pessoa humana e um atentado à dignidade e à integridade do ser humano que poderá conduzir a uma situação de vulnerabilidade e exploração para as suas vítimas. Tal crime cresce cada vez mais, é e a terceira maior fonte de lucro para o crime organizado mundial, depois do tráfico de drogas e armas.

No último dia 30 de agosto p.p o Ministério da Justiça divulgou através de um levantamento realizado nas Delegacias de polícia civil dos estados, e constam no Relatório Nacional sobre Tráfico de pessoas, que São Paulo e Minas Gerais tiveram o maior número de vítimas do ano de 2013, sendo registradas 184 vítimas em São Paulo e 29 em Minas Gerais.

Segundo informações desse levantamento, no ano de 2013, foram constatados, entre as Unidades da Federação, registro de nove tipos de tráficos de pessoas ou crimes correlatos. Neste documento constatou-se a entrega de filho ou pupilo, submissão de criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual e remoção de órgãos, tecidos, ou partes do corpo humano.

Num total de 254 casos, o tráfico para fins de exploração sexual, ficou com a margem de 134 que foram relatados, somando-se os crimes de tráfico interno e internacional. Não podemos deixar de citar, que das 254 ocorrências registradas, o trabalho escravo, respondeu por 111.

Além das informações veiculadas, é necessário ponderar algumas limitações no tocante às informações, dada a complexidade que envolve a identificação do crime de tráfico de pessoas, desde a construção de seu conceito até diversidade de fatores que levam á falta de notificação do fenômeno pelas diferentes instituições consultadas.

Entre esses fatores, está o próprio desconhecimento que, muitas vezes, as vítimas têm sobre a condição e a falta de conhecimento tanto do cidadão comum quanto dos próprios agentes públicos encarregados de atuar sobre essas situações, mas que desconhecem as características do fenômeno e acabam não tomando as medidas cabíveis relativas à prevenção e ao controle de ocorrências de tráfico de pessoas.

Para que tenhamos conhecimento o número de vítimas no ano de 2013, de acordo com as denuncias feitas à Secretária de Direitos Humanos, foi de 309 casos, cerca de dez vezes maior que o número de 2011 (32), e o dobro do anterior (170).

Apurou-se ainda que pelos dados do Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos, existe uma concentração maior do sexo feminino do que do sexo masculino em todos os anos, sendo que as vítimas se encontram na faixa etária correspondente a crianças e adolescentes. Conforme as denuncias, grande parte ou senão a maior parte das vítimas era branca, seguida das pardas e das negras.

No Ministério do Trabalho, observou-se que a partir do ano de 2007, o número de pessoas resgatadas em condições análogas a de escravos vem decrescendo e em contrapartida o número de trabalhadores imigrantes resgatados vem aumentando significadamente nos últimos anos.

Notou-se que o Sistema de Vigilância de Violências  e Acidentes do Sistema de Informações  de Agravos  de Notificações do Ministério da Saúde, apresentou informações semelhantes e no que diz respeito as características dos Traficantes, o sistema informa que em 80% ( oitenta por cento) dos casos, os agressores são do sexo masculino. 

Existem informações de que a Policia Federal instaurou aproximadamente 343 inquéritos no ano de 2013, não havendo alteração em relação ao ano de 2012, que teve 348 procedimentos policiais. Além disso, de acordo com dados do MPF (Ministério Público Federal), no ano de 2013, forma registradas 30 denúncias e 24 ações penais sobre tráfico interno e internacional de pessoas para fim de exploração sexual.

Acerca disso, nos convencemos de que a prevenção é sempre a melhor iniciativa. Portanto, ao verificar que existem indícios de tráfico humano, devemos fornecer as seguintes orientações: a) duvide sempre de propostas de emprego fácil e lucrativo, b) sugira que a pessoa antes de aceitar uma proposta de emprego, leia atentamente o contrato de trabalho, buscando sempre informações sobre a empresa contratante. A atenção deverá ser redobrada em caso de propostas que incluam deslocamentos, viagens nacionais e internacionais, c) deixe o endereço, telefone e/ou localização da cidade para onde está viajando, d) informe para a pessoa que está seguindo viagem endereços e contatos de consulados, ONGs e autoridades da região, e) oriente para que as pessoas que forem viajar nunca deixem de se comunicar com familiares e amigos.

Portanto, é necessário que a comunidade nacional e internacional esteja comprometida com a melhoria das condições socioeconômicas dos grupos sociais mais vulneráveis, vez que, não pode haver enfrentamento ao trafico de pessoas, sem desenvolvimento social que proporcione o acesso de todos os seres humanos aos direitos fundamentais. E em caso de Tráfico de Pessoas, não deixem de denunciar.

 

Referências

BRASIL. Decreto Nº 5.948, de 26 de outubro de 2006. Disponível em: Acesso em: 10 mar.2011.

BRASIL. Decreto Nº 6.347, de 8 de janeiro de 2008. Disponível em: Acesso em: 10 mar.2011.

BRASÍLIA. Seminário Nacional de Enfrentamento ao tráfico de pessoasBrasília: SNJ, 2010.

JESUS, Damásio. Tráfico internacional de mulheres e crianças – Brasilaspectos regionais e nacionais. São Paulo: Saraiva, 2003

LEAL, Maria Lúcia P.; LEAL, Maria de Fátima P. Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (PESTRAF). Brasília: CECRIA, 2002.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Política Nacional de Enfrentamento ao tráfico de pessoas. Brasília, MJ: 2007.

OBOKATA, Tom. Trafficking of Human Beings from a Human Rights Perspective: Towards a holistic approach. International Studies in Human Rights. Leiden, The Netherlands: Martinus Nijhoff Publishers, 2006.

UNODC. Toolkit to Combat Trafficking in Persons - GLOBAL PROGRAMME AGAINST TRAFFICKING INH.

UMAN BEINGSNew York: UN, 2006.

JORNAL EMPRESAS E NEGÓCIOS – Matéria: Brasil teve 254 vítimas de tráfico de pessoas em 2013. Página 12.

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