Introdução ao pensamento de Gilles Deleuze

Introdução ao pensamento de Gilles Deleuze

Introdução ao pensamento de Gilles Deleuze

 

Por Giuliano de Méroe

 

Neste curso de Filosofia, ministrado pelo Professor Peter Pelbort, inteirei-me dos estudos do filósofo Gilles Deleuze.  Diante da necessidade percebida, decide que o melhor para este momento seria descrever minhas impressões de Deleuze.  Antes de averiguar um determinado assunto em específico, ou alguma zona de interesse particular, é mais conveniente uma aclimatação com o estilo deleuziano.

Logo nas primeiras aulas, pude notar algo diferente do que até então conheci. Questionava-me o porquê, de os filósofos serem tão diferentes entre si. Suas genialidades se diferem tanto, que nem sempre é possível concilia-las. Um tipo de filosofia parece excluir ou mesmo zombar do outro. Mas logo nas semanas iniciais, essa questão foi incluída em aula pelo professor Peter Pal Pabart. Pois para cada tipo de vida há uma espécie de demanda por uma paisagem filosófica diferente.

Foi-me esclarecedor, a alusão neste ponto, para detectar que cada pensador penetra mais tenazmente em certo eixo filosófico. Os temas e a intensidade com que os pensadores desdobram os assuntos estão relacionados a contextos situacionais. Esses contextos contêm variáveis que tanto podem ser do lugar da sociedade e de sua época, como também por uma ordem pessoal intimamente relacionada ao que o pensador quer com sua busca.

Não basta dizer, precipitadamente que determinada fonte filosófico ou pensador é ultrapassada e errada, em relação a outro. Para os estudiosos do tempo real, no sentido ontológico, expressões como ‘ velho’, ‘novo’, assim como ‘antes’ e ‘depois’ são irrelevantes. Por exemplo: Para determinada pessoa, faz-se necessário estabelecer uma ponte com a filosofia de um pensador antigo, há séculos de distância de seu tempo atual. Não se trata de imitá-lo, mas recriar a matéria pensamento disponibilizada por aquele pensador, à sua própria maneira, com seus recursos e em consonância com o tempo datado. Esta pode ser a forma mais adequada para determinada pessoa, de criar seu próprio movimento na vida, não ser meramente passivo com relação à exterioridade das forças de seu tempo, e desse modo proporcionar um acontecimento, enquanto sujeito, que criou a si mesmo.

A filosofia de Deleuze, também aborda aspectos como poder, política e cinema. Mas não se trata de uma filosofia acerca de problemas que recebem costumeiramente nomes abstratos costumeiros: como Sociedade, Humanidade, Mundo, ideologia e outros. Tais nomes geralmente abafam a voz do próprio sujeito. Popularmente é comum se dizer ‘ quero uma filosofia para o bem da humanidade’, no entanto essas abstrações escondem a percepção autêntica do indivíduo. Podem leva-lo a acreditar, estarem fazendo grandes esforços, sem levarem em conta que compraram um clichê, uma opinião já pronta.

Segundo Deleuze, no livro “Conversas”, o pensador Foucault, já alertava para a necessidade de rachar as palavras, quebra-la, desengravidá-las. Escavar uma palavra eleva a comunicação a outro nível de compreensão, capaz de melhor articular com o tipo de aceno, estado ou sensibilização pretendida por ela.

Deleuze destaca que a Filosofia é um tipo de disciplina incumbida na tarefa de criação de conceitos, de modo que estes, a princípio, não tenham um compromisso com uma aplicação imediata, efetiva, visando uma solução prática, ou para servir a alguma lógica objetiva para determinado fim, que é papel da ciência.

O Filosofo, na concepção deleuziana, parte em sua busca parte de uma direção diferente da do cientista, bem como do artista. Quanto a essas diferenças de papel, comentarei em breve e oportunamente.

Deleuze tem mais proximidade com o pensamento de Foucault, Bergson, Leibniz Nietzsche e Espinoza. Suas ressonâncias com Heidegger, Merleau-Ponty, Sarte ou Wittgenstein são menores, mas também empresta deles conceitos e ideias. O autor faz sua própria releitura desses pensadores, a partir da contribuição deles. Os conceitos elaborados por eles, como exemplo: A dobra em Leibniz; Linha do Fora em Foucault; Hecceidade em Heidegger; Duração em Bergson, etc, são drapeados em sua tessitura filosófica Deleuze nutre-se da intensidade de seus pensamentos, mas com o seu desvio peculiar, a maneira trilhar seu próprio caminho com seus recursos... se reterritorializando, com sua abordagem.

Os esforços desses pensadores e no recorte de Deleuziano englobam um misto cujos principais temas são: Linguagem, Tempo, Subjetividade, Pensamento.

Neste curso, cujo apoio principal é o Livro “Conversações”, Deleuze  comenta alguns conceitos criados, tais como territorialização, reterritorialização e desterritorialização. Estes termos explicam a ideia de uma ausência do ‘eu’. O ‘eu’ cristalizado, assumido como nosso. É uma maneira de registrar um avanço na própria maneira de pensar. Um pensamento, uma ideia ou mesmo uma criação, na verdade, não é nosso, não pertence ao nosso ‘eu’, pois não é derivado dele. O que nos dá a ilusão desse ‘eu’, no sentido como nos expressamos: ´A ideia é minha’, ´é assim que eu penso’, é que simplesmente talhamos as forças que nos veem de fora, ajustamo-nos a elas, em grau, intensidade e direções.

A própria ideia de um eu bem definido e cristalizado, vem de uma concepção de que somos separados do universo, da terra em nosso redor, e da vida.  É como se a paisagem a nossa volta fosse algo externo a nós. A paisagem lá e eu aqui. O mundo como um simples acaso em que aterrissamos aleatoriamente e, a nós, cabe somente administrar as circunstancias de causa e efeito que nos acontecem.

Essa ideia, que já não encontra amparo na filosofia de Deleuze, não abarca a coextensividade do ‘eu’ e o mundo. O pressuposto é que somos meros observadores alheios ao que se passa com o mundo e no mundo. Ele é um sujeito e, fora dele às coisas são objetos. Essa ideia, ainda não pode conceber, que sujeito e mundo são o mesmo, sujeito e objeto, co-criadores.

A filosofia tem em vista superar o ‘pensar’ habitual de nossa cotidianidade humana. O pensamento é uma força que nos atravessa. É uma matéria movente que nos entrecruza. Deleuze diz que, dar uma aula, é o mesmo que, por a matéria pensamento em movimento. Portanto à maneira de Deleuze, um professor, um filósofo, são figuras opostas as de um sábio ou mágico das religiões. Na imagem de sábio ou mágico, depositamos uma falsa impressão de que estes são a fonte dos conhecimentos avançados, libertadores e que os progressos são liberados a partir deles, e somente deles. Mas um filósofo deleuziano, não atribuirá tanta vaidade assim ao seu papel. Ele somente pode ser um determinado ponto ou corrente, que facilita a outros a serem atravessados por outras forças e processos, deixando que estes se liberem nestas forças e se criem a si mesmos.

Sobre o pensamento, a despeito do seu contato com Foucault. Deleuze diz que quando apreendemos o conjunto de um pensamento, no mesmo instante, saltamos para outro plano, também de pensamento. Pode ser que neste outro plano de pensamento, as situações e fatos do dia a dia sejam os mesmos, mas a neblina seja menos intensa ou escura, ou a lanterna mais preparada para ver além da corrente nebulosa. 

Por superar o pensamento, quero dizer, entender o conjunto, ultrapassar as bordas de seu plano. Criar uma condição de abertura para um devir outro, com novas conjunturas de forças. Dentre de um dado plano, pode-se levar muitos anos, talvez séculos, aperfeiçoando suas convenções, refinando sua lógica, sofisticado seus argumentos de suporte, mas o “salto” não é gradual, não vem do refinamento, é algo que o irrompe. Transportando esse pensamento para a vida pessoal, isso geralmente acontece quando passamos por crises, quedas, desilusões ou nos exigir um dispêndio de esforços fora do habitual.

Não é algo a ser explicado. É algo que acontece e no faz descontinuar o caminho que seguíamos, para ser arremessado a uma encruzilhada que nada tem haver com o caminho precedente. O novo caminho, não é um ‘ depois’ do velho caminho. É uma dimensão fora dele. O Antigo percurso em nada se corresponde com o atual. Ele foi apenas uma condição, para se escapar dele mesmo. O salto de pensamento, ou de um caminho de um homem, é o homem, se liberando do próprio homem. O próprio homem logo percebe que o fim mais idealizado e desejado de seu antigo caminho, se esvai, perde seu motivo e sua subsistência.

A filosofia é uma arma a fim de liberar o homem do homem, na linguagem pela linguagem, no pensamento pelo pensamento e, no mundo através do mundo.

No estudo do filósofo francês Deleuze, estive ciente de quanto ele estabelece conexões com a filosofia de Nietzsche, Foucault e Heidegger, para liberar outros conceitos, como recursos de pensamento. Dentre alguns dos conceitos comentados em sala de aula, bem como serem os primeiros a serem conhecidos por quem inicie seu estudo estão: Acontecimento em oposição ao simples fato; e Virtual em contraste com Atual.

Sobre acontecimento Nietzsche explicava-os com o nome de Intempestivo ou Inatual. Foucault chamava-os de linha do Fora, e Heidegger de dimensão de clareira ou abertura do ser e do ente. Também há uma forte influência de Bergson, que penetrou fortemente no assunto do tempo.

Segundo meu entendimento, a diferença pode ser explicada assumindo a perspectiva do tempo. Um fato está automaticamente inserido pela história, numa sequência de tempo, obedecendo a uma linha linear, de um antes e depois. É a característica principal do tempo histórico. O fato tem seu registro efetuado pelos historiadores, numa sequência cronológica. Com o acontecimento, porém, é diferente. Ele rompe com qualquer linearidade, seja história, ou seja, da lógica de pensamento. Ele salta do tempo da história, pois o acontecimento, para poder nos chegar, ele não pode estar situado no mesmo plano da temporalidade. No entendimento da filosofia, o passado e futuro da história, são somente blocos de espaço, que reúnem condições para o devir ou acontecimento. Mas não se confundem com os mesmos.

O acontecimento salta do tempo histórico, é uma espécie de descarrilamento, ele é extratemporâneo. Ele não tem uma causa, não tem compromisso com nenhuma lógica e não pode ser interpretado pelo que já aconteceu ou está registrado na história.

Os historiadores tendem a ignora-lo. Pois a história precisa de registros. Então traduzem o acontecimento em fatos. Sua dimensão fora do tempo é neutralizada, a fim de torna-lo parte do tempo cronológico. Pois só assim é possível inseri-lo numa encadeamento causal, dentro da sequência temporal cronológica. Os historicistas mesmo quando minuciosamente descrevem um sujeito, congelam-no para transforma-lo em agente da história, e possível de ser registrado na cadeia histórica-temporal. A história não é ciente de sua dimensão atemporal. O indivíduo não é visto como um processo de subjetivação diferenciando-se de si mesmo, mas somente um número preso a leis de causa e efeito situacionais.

O conceito de Real para Deleuze pode ser entendido como algo de dimensões concretas, manejáveis, algo visto e vivido pelos sentidos. Já o Possível é algo se tornando igual a esse real, ele deseja a transformação em direção a esse real. Já está em sua elaboração algo já definido e determinado.

Para os novos pares – Virtual e Atual, os conceitos se se diferenciam ao mesmo tempo em que se imbricam. O Virtual não é uma ideia acabada, nem uma ideia se constituindo em outra já pronta. É mais um estado embrionário, em vias de se atualizar. E o atual, não é como o real, já que ele é algo diferenciando-se dele mesmo.

O atual é rodeado por um nevoeiro, poeira, de estados virtuais. Os estados virtuais são absorvidos e emitidos pelo atual, conforme as peculiaridades disponível de tempo e espaço. Porém essa absorção é sempre mantida em uma unidade de tempo menor que a do tempo pensável, ou seja, a do tempo em que é possível dar sua notação, que acontece no atual.

O indivíduo para o filósofo Deleuze  é muito mais do que sua atualidade, que somente reflete o momento de certa notação, pelo qual tomou parte. Ele além de sua atualidade, abarca um conjunto de virtualidades – suas outras formas possíveis, porém suspensas, do ponto de vista do estado atual.

O estudo de Deleuze inspirou também meu interesse por um aprofundamento pela filosofia de Bergson. O pensamento dele também é auxiliado pela forte penetração de Bergson, a respeito do tempo.

Bergson revisita a teoria da relatividade de Einstein e serve-se dela apoiando em sua objetividade cientifica, para extrair conceitos filosóficos que necessitavam ser explorados. Einstein é um cientista, e constrói leis físicas e matemáticas sobre o tempo.  Bergson um filósofo, procura. Seus procedimentos e interesses são distintos do mesmo tema. Como cientista Einstein procura por funções e proposições; já Bergson outro, em criar e reunir, os novos pedaços de conceitos, a partir das novas evidências científicas, para elevar a filosofia e refinar seu grau de pensamento acerca do tempo.

Para Deleuze, é normalmente desse modo que interagem ciência e filosofia, pois a partir do momento que se estabelece uma proposição científica, com suas verdades e leis, os conceitos que temporariamente se tornaram funções, soltam-se dessa necessária fixidez, para se ressurgirem em novas linguagens, paisagens e planos de pensamento. Eis a complementaridade de Ciência e Filosofia.

Meus estudos mais diante incluíram um maior contato com as obras de Deleuze sobre Bergson, além de explorar mais as obras principais deste autor.

Outro pensador que também suscitou meu interesse em melhor apreender suas articulações de pensamento, e a ele foi criada uma seção a parte, no livro Conversações, é Leibniz.

Leibniz é conhecido pelo conceito de dobras e mônadas.  Na relação com este pensador, Deleuze explica a proposição leibniziana mais famosa. Cada alma (mônada) é inteiramente fechada, não possuiu portas ou janelas, e no entanto, contém o mundo inteiro em seu recipiente. Mas apesar de os sujeitos conterem o mundo inteiro em si mesmo, eles não são iguais, como cópias um do outro.

Eles se diferenciam, pois o mundo não é dobrado em cada mônada do mesmo modo. Há um lado da dobra iluminado mais intensamente em um sujeito, e é por esta região mais clara que este vive e faz o mundo em sua volta, ele não perde seus os outros lados possíveis, no entanto, só pode constituir seu rosto, na região da dobra que está iluminada temporariamente por sua consciência.

Um exemplo é proposto por Tony Smith, na arte minimalista: Um carro trafegando por uma estrada escura, e a ilumina com seus faróis, então o motorista pelo para-brisa, pode ver o asfalto iluminado. Criando uma ponte pelo exemplo de Tony, esta região iluminada, é certa dobra pelo qual foi necessária ser notada, para que o caminho tenha a visibilidade requerida pelo motorista, para poder atravessá-lo.

Na minha formulação, a dobra, seria um conjunto de dimensões diferentes que um indivíduo ou mesmo uma coisa possuiu. Esta coisa pode ser uma pedra ou um quadro de arte. Na arte barroco, por exemplo, há elementos de certas obras que podem ser vistos como diferentes dobras.  Um determinado quadro de um pintor da temática Barroco pode elucidar uma cena que mostra o fim da vida de um sujeito, e ao mesmo tempo, seu início em outro lugar. Nas obras de pintura barroca, geralmente, os quadros mostram duas partes. A parte inferior é uma cena que se passa entre os homens na matéria, e a parte superior ilustra uma paisagem mais sutil, uma ordem mais elevada dentro da primeira ordem, a que encontra sua atualização na matéria.

Deleuze mostra como Leibniz pode liberar outro conjunto mais flexível de pensamento e estendê-lo a outras temáticas.

Para o final deste pequeno e breve trabalho, menciono que o exercício foi muito interessante. Deleuze não é um autor que pode ser compreendido as pressas. Neste meu primeiro contato, percebi o professor em consonância com o filósofo, mais interessado em mostrar como é possível esvaziar nossa própria tela de conhecimentos, aprendizados e ensinamentos, para em seguida perceber outra abordagem de pensamento, capaz de adentrar nas coisas, no meio delas...sem começo ou fim, e a partir desses meios, podermos a nossa própria maneira encontrar e reproduzir outros horizontes possíveis.

Acessar o pensamento de outro pensador, mas livre do espaço-tempo do mesmo, e assim responder as circunstâncias a nossa volta de forma mais responsiva que reativa, mais como parte do acontecer, do que como parte do passado ou futuro. Essa é a abordagem de Gilles Deleuze.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 2007.

 

______. Bergsonismo. São Paulo: Editora 34, 2008.

 

DELEUZE, Gilles. A Dobra – Leibniz e o Barroco. 6ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.

 

DELEUZE, G.; GUATARRI, F. O que é a filosofia? Tradução de Bento Prado Júnior e Alberto Alonso Munõz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.