Por Giuliano de Méroe
Daniela Leal é doutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP, especialista em Psicopedagogia e Educação Inclusiva e graduada em Pedagogia. Ministra aulas em cursos de graduação e pós-graduação, em disciplinas voltadas à psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento e às dificuldades no processo de escolarização. Também é autora dos livros Psicopedagogia Clínica: caminhos teóricos e práticos, Dificuldades de Aprendizagem: um olhar psicopedagógico e Teorias da Aprendizagem: um encontro entre os pensamentos filosófico, pedagógico e psicológico (já em 2ª edição, ampliada e revisada), pela Editora Intersaberes. Atualmente dedica-se à pesquisa de pós-doutorado em Alfred Adler.
“Em casos mais específicos, em que a dificuldade no processo de escolarização decorre de uma deficiência, faz-se compreender além de todos esses aspectos, os procedimentos a serem trabalhados conjuntamente com a equipe de médicos, por exemplo, que atende esse aluno”
Boa Leitura!
Divulga Escritor - Escritora Daniela Leal, é um prazer contarmos com sua participação no projeto Divulga Escritor. Conte-nos, em resumo, como se desenvolveu seu livro “Compensação e Cegueira: Um Estudo Historiográfico”.
Daniela Leal - Primeiramente, gostaria de agradecer pelo convite e pela oportunidade do projeto Divulga Escritor de conversar um pouco sobre meu livro e sobre minha área de atuação e pesquisa. O livro Compensação e Cegueira: um estudo historiográfico é o produto final da minha tese de doutorado em Psicologia da Educação pela PUC-SP. Ao observar durante a pesquisa a quase ausência de estudos ou mesmo certa conformidade na compreensão sobre a relação que se estabelece entre o processo de compensação (Adler) e a perda da visão, creia que a tese não poderia ficar somente como produto final do doutorado e de consulta na biblioteca da instituição, mas sim, como um instrumento de troca de teorias para com os demais profissionais que se dedicam ao trabalho com pessoas com deficiência visual e/ou cegueira. Lembrando que tal teoria pode-se estender para as demais deficiências.
Divulga Escritor - Sua dedicação com trabalhos com crianças em alguma situação especial é notável. Poderia apontar sugestões, sobre os trabalhos das Instituições de Ensino, com alunos com dificuldades no aprendizado?
Daniela Leal - Como pesquisadora e praticante das teorias adleriana e vigotskiana, observo que quando a instituição/escola inicia seu projeto de trabalho a partir da conversar inicial com o aluno com dificuldade no processo de escolarização para compreender os efeitos dessa no seu dia-a-dia, o trabalho da instituição ganha outra ares, assim como um olhar diferenciado: não pensa mais nas dificuldades, mas sim nas capacidades. Outros pontos importante a serem considerados são: a) compreensão desse aluno em sua constelação familiar e os sentimentos que tais dificuldades causam nesta constelação, e b) compreensão do social a qual estão inseridos aluno-família-instituição/escola e seus implicadores e aspectos positivos. A utilizar-se do estudo desses três momentos, a instituição/escola consegue estabelecer combinados com o próprio aluno, seus profissionais e a família para atingir o necessário para a melhorara ou extinção das dificuldades apresentadas. Em casos mais específicos, em que a dificuldade no processo de escolarização decorre de uma deficiência, faz-se compreender além de todos esses aspectos, os procedimentos a serem trabalhados conjuntamente com a equipe de médicos, por exemplo, que atende esse aluno. Afinal, as instituições que partem do princípio que a aprendizagem não se faz só, mas sim por intermédio de todas as relações que estabelecemos com o social (sentimento de comunidade, como dizia Adler), as possibilidades de sucesso são muito maiores.
Divulga Escritor - Pode citar algum fato ou acontecimento incomum que a levou a dedicar-se mais intensivamente a trabalhos com crianças com deficiência?
Daniela Leal - No ano de 1999, quando assumi uma sala de 2ª série (hoje, 3º ano) do Ensino Fundamental I, tinha como aluno um jovem pré-adolescente de 11 anos com dificuldades no processo de escolarização, com uma deficiência não identificada pelos pais e que já havia repetido de ano por várias vezes. Tal foi minha surpresa quando minha coordenadora me informou que eu deveria deixá-lo no cantinho dele, porque ele não aprendia, mas observar se não agrediria as demais crianças. Não me conformei! Me indignei! Busquei saber mais sobre ele, me dediquei ao seu aprendizado – ele ficava na aula regular de manhã comigo e à tarde ia fazer às atividade de casa, na outra turma que dava aula. Ao final do ano, ele saiu sabendo ler, escrever e calcular o necessário para dar continuidade aos seus estudos, dentro de suas capacidades (a maior polêmica do processo de educação inclusiva, nos dias de hoje), mas no ano seguinte, a professora que lecionava para ele conseguiu convencer à família a levá-lo novamente para uma escola especial (fiquei revoltada, mas não consegui reverter a situação). Entretanto, há alguns anos atrás, ainda na época do Orkut (± 8 anos), a irmã dele me encontrou e pediu se eu o poderia adicioná-lo. Prontamente o fiz. Em uma de suas mensagens para mim ele disse: “Prô Danny, você lembra de mim? Fui seu aluno no... Sabe, este ano consegui me formar no Ensino Fundamental, completei meus estudos e sou muito grato por tudo o que você fez por mim. Nunca vou te esquecer”. Bom... acho que é isso... Me emociono muito ao falar sobre esse momento da minha história profissional.
Divulga Escritor - Considerando sua formação dedicada a diversos nichos da Educação, como a infantil, especial e inclusiva... qual o seu principal interesse nos trabalhos do Psicólogo Austríaco Alfred Adler?
Daniela Leal - Meu interesse é compreender inicialmente sua teoria (Psicologia Individual) como um todo, pois apesar de ser um dos fundadores da psicanálise junto a Freud, devido as muitas rivalidades entre ambos e o próprio rompimento entre eles, Adler é estudado superficialmente e, muitas vezes, à margem da teoria da psicanálise. Segundo, porque ao estudar o conceito de compensação e os sentimentos de inferioridade propostos por ele, encontrei em sua teoria conceitos e instrumentos que justifiquem minha prática docente, até os dias de hoje, com pessoas com algum tipo de deficiência. E, terceiro, porque quero aprofundar-me no período entre 1922 e 1934, onde Adler dedicou-se especificamente à educação das crianças com dificuldades no processo de escolarização e/ou com alguma deficiência nas escolas de Viena. Acredito que ao compreender tais práticas do passado, as discussões do presente ganham mais significado e possibilidades.
Divulga Escritor - Lev Semenovitch Vygotsky é um psicólogo muito conhecido no mundo acadêmico, ao sustentar o desenvolvimento intelectual da crianças ocorrem em função das interações sociais e condições de vida. De que maneira Vygostsky oferece-lhe substratos para o núcleo do seu livro?
Daniela Leal - A minha pesquisa inicial de doutorado parte do estudo minucioso do Tomo V das Obras Completas de Vigotski; onde ele discute os Fundamentos de Defectologia. Teoria que visa compreender os processos de aprendizagem e de desenvolvimentos das crianças com algum tipo de deficiência e/ou “defeito”, como escrito na época, bem como das “crianças dificilmente educáveis”, hoje, com dificuldades no processo de escolarização. A partir do estudo da obra, juntamente com o estudo dos conceitos centrais da teoria vigotskiana, foi possível compreender o quando Vigotski contribui, avança, para pensarmos no uso dos instrumentos, principalmente a linguagem, por intermédio da mediação (zona de desenvolvimento proximal) na prática diária do professor junto de seus alunos com algum tipo de deficiência e/ou dificuldade.
Divulga Escritor - Os conhecidos pensadores Adler e Vygotsky despertam muito interesse em pesquisadores, professores e psicólogos, devido ao impacto de seus estudos no âmbito da educação, sobretudo na maneira de pensar o ensino e desenvolvimento de crianças. Em seu livro, como se dá a ponte entre eles? Poderia, resumidamente, contar-nos sobre seus pontos de vistas e suas diferenças?
Daniela Leal - A principal relação entre ambos encontra-se nos conceitos centrais da teoria adleriana: sentimentos de inferioridade e compensação. Vigotski para discutir os fundamentos de defectologia parte dos conceitos de Adler, afirmando a importância da teoria adleriana para se pensar a criança com deficiência não mais por suas impossibilidades, mas sim pelas suas capacidades. Apesar de Adler partir inicialmente da psicanálise, ao longo de seus estudos, sua teoria caminha para uma perspectiva social, pautada nos princípios da teoria marxista; aproximando-os ainda mais. Vigotski avança ou diferencia-se à teoria adleriana ao aprofundar-se no uso de instrumentos, como a linguagem, no trabalho com as crianças com deficiência, principalmente nos espaços regulares de ensino.
Divulga Escritor - Em sua obra Compensação e Cegueira: Um Estudo Historiográfico há alguma perspectiva nova, algum ângulo não abordado pelos estudos de Vygotsky e Adler?
Daniela Leal - No livro além de apresentar os conceitos de sentimento de inferioridade e compensação estudados por ambos os teóricos, é realizado um estudo histórico, etimológico e analógico das origens da palavra compensação – em que momento ela surge, como conceito jurídico, e em que momento ela é incorporada pela psicologia, mas também por outras áreas como a filosofia, fisiologia, genética, entre outras. Outro ponto de destaque é a relação presente na história da cegueira, desde a antiguidade até os dias de hoje, com o conceito de compensação justificando a perda da visão, seja em uma concepção mística, biológica e/ou científica, como bem pontua Vigotski.
Divulga Escritor - Pode nos dizer onde comprá-lo?
Daniela Leal - O livro pode ser encontrado na Cia dos Livreiros, Livraria Cultura, Livraria Saraiva, Livraria da Travessa, além do próprio site da Paco Editorial e outras livrarias do ramo. Qualquer dúvida, sobre a compra ou sobre a obra em si, podem entrar em contato comigo pelo e-mail: dannylegal@gmail.com.
Divulga Escritor - O que você sugere para o aprimoramento do mercado literário no Brasil?
Daniela Leal - No caso específico dos meus estudos, a tradução das obras originais (alemão) de Adler no Brasil seriam fundamentais. Atualmente encontramos, com dificuldade, apenas duas de suas obras traduzidas para o português: A ciência da natureza humana e A ciência do viver. As obras que discutem os conceitos centrais e principais da teoria adleriana (O caráter neurótico, A Psicologia Individual, , entre outras) encontram-se apenas em espanhol, inglês ou francês, mas também com certa dificuldade de localização, devido a não tradição do Brasil do estudo da teoria adleriana, apesar de Adler ser citado nos cursos de Psicologia.
Divulga Escritor - Estamos chegando ao fim da entrevista. Agradecemos sua participação no projeto Divulga Escritor. Estamos felizes em conhecer sua obra. Gostaria de deixar alguma mensagem aos nossos leitores?
Daniela Leal - Espero que a obra Compensação e Cegueira: um estudo historiográfico, possa ser o ponto de partida para muitas discussões sobre a compreensão do trabalho com as pessoas com deficiência, mas principalmente que sirva de base para novos estudos e discussões sobre a teoria adleriana, tão ausente na área acadêmica nas últimas décadas do século XX e nas primeiras do século XXI.
Fonte: Divulga Escritor
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