Educação Infantil como Caminho para a Construção de Autonomia

Educação Infantil como Caminho para a Construção de Autonomia

EDUCAÇÃO INFANTIL COMO CAMINHO PARA A CONSTRUÇÃO DE AUTONOMIA

 

                                                                                                  Katherine Stravogiannis1

 

RESUMO: Este artigo representa uma revisão bibliográfica pautada na teoria de Jean Piaget (1896-1980) e seus estudos da moralidade, com respaldo em situações práticas  documentadas, objetivando auxiliar educadores na busca por parâmetros pedagógicos que os impulsionem a educar para a autonomia, em detrimento a práticas heterônomas por vezes inconscientes, tão comuns na escola. Portanto, busca-se conceituar teoricamente a autonomia, à procura de modos de promovê-la precocemente na escola. A premissa central que perpassa essa pesquisa baseia-se essencialmente na epistemologia genética de Jean Piaget e práticas construtivistas na Educação, argumentando a favor da promoção de ações favoráveis ao desenvolvimento de autonomia moral e intelectual desde a Educação Infantil.

 

Palavras-Chave: Oralidade. Piaget. Moralidade. Epistemologia genética. Autonomia. Educação Infantil.

 

ABSTRACT: This article presents a literature review guided by Jean Piaget's (1896-1980) theory and his studies on morality, with support in practical situations, aiming to assist educators in the search for pedagogical parameters that boost to educate for autonomy, over the heteronomous practices sometimes unconscious, so common in schools. Therefore, we seek to theoretically conceptualize autonomy, looking for ways to promote it early in school. The central premise that permeates this research is based primarily on genetic epistemology of Jean Piaget and constructivist practices in education, arguing in favor of promoting actions favorable to the development of moral and intellectual autonomy since kindergarten.

 

Key words: Piaget. Morality. Genetic epistemology. Autonomy. Kindergarten.

 

 

1 Coordenadora pedagógica, formadora, atua na Educação Infantil há mais de 15 anos, licenciada em Letras alemão e português pela USP, pedagoga e psicopedagoga pela CEUCLAR, especialista em relações interpessoais e autonomia moral na escola pela UNIFRAN e mestranda pela Grendal University kathes@me.com;kstravogiannis@yahoo.com.br

 

 

INTRODUÇÃO

O objeto investigado debruça-se com olhar pedagógico sobre a construção de autonomia desde a Educação Infantil, como fator imprescindível para o desenvolvimento da personalidade moral e intelectual, bem como indissociável ao cognitivo, tendo como problemática principal a compreensão e reflexão sobre a postura dos educadores e escolas no que diz respeito à promoção de autonomia ou, ao contrário, heteronomia.

O tema autonomia faz-se naturalmente relevante, visto que discussões atuais são reforçadas por documentos oficiais norteadores de âmbito nacional que destacam o valor da escola no processo de educação moral de crianças e jovens. Contudo, reconhecer o valor da construção da autonomia não necessariamente implica em conhecer seu conceito e formas de encorajamento adequadas. Sendo assim, relacionamos a referida questão ao problema central: o que é autonomia, afinal, e como desenvolvê-la desde a Educação Infantil?

Para este problema central, faz-se necessário resgatar alguns conceitos, bem como mecanismos comuns na educação atual que, ao contrário, podem encorajar a moral heterônoma, desfavorecendo o desenvolvimento da autonomia. Para tais questões, a pesquisa epistemológica de Piaget nos oferece um referencial teórico de suma valia.

A investigação ocorre por intermédio de ampla revisão bibliográfica visando ao resgate teórico, quando destacar-se-á a perspectiva piagetiana de construção do conhecimento e desenvolvimento moral, que será amplamente revisitada, em contraponto à educação tradicional, com base sócio moral construtivista.  A interlocução com o material bibliográfico exigirá vigilância epistemológica.

Interessa, portanto, ao investigador, além de conscientizar os educadores sobre suas próprias condutas heterônomas, assentir como a formação e informação dos educadores pode intervir favoravelmente na formação moral das crianças favorecendo-as na construção de sua autonomia, bem como instrumentalizá-los teorica e praticamente por meio da contribuição da teoria piagetiana, com contribuições adicionais de referências como Kamii, Vinha, Tognetta, La Taille, Mantovani de Assis, De Vries e Zan, entre outros.

 

CONCEITO DE AUTONOMIA

 

Autonomia é um termo cujo significado está popularmente relacionado ao autogoverno, lei e independência, deriva do grego antigo αὐτόνομος (autônomos) uma junção de αὐτο- auto (de si mesmo) e νόμος- nomos (lei) ou seja, "aquele que estabelece suas próprias leis".

Nas últimas décadas, percebe-se o crescente interesse político e social a respeito da Educação Infantil, implicando em documentos de âmbito nacional que assegurassem a integridade, qualidade e direitos das crianças nas instituições escolares em contexto global. Dentre tantos aspectos, o RCN, Referencial Nacional para a Educação Infantil, formalizado em 1998, indicou a importância do trabalho com a autonomia, eixo relacionado à formação pessoal e social, e que abrange de forma interligada e dinâmica o conhecimento de mundo. As práticas sociais envolvendo o desenvolvimento da autonomia por vezes são compreendidas de forma errônea pelos educadores não bastando, portanto, favorecer ações independentes. Há necessidade de estabelecer-se o ambiente como educador adicional, com potencial para que a criança conheça seus limites, socialize-se; faça escolhas; manifeste desejos, opiniões e anseios; desenvolva identidade, características e criatividade.

                      

A autonomia pode ser definida como a capacidade de se conduzir e tomar decisões por si próprias, levando em conta regras, valores, sua perspectiva pessoal, bem como a perspectiva do outro, é, nesta faixa etária, mais do que um objetivo a ser alcançado com as crianças, um princípio das ações educativas. (RCN, 1998, p. 14).

 

 

Já os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) destacam o valor da escola no processo de educação moral de crianças e jovens. Como afirma Menin (1996, p. 61), “quer queiram ou não, todas as escolas atuam na formação moral de seus alunos; no entanto, nem todas o fazem na direção da autonomia.”. Mais recentemente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - RCNEI (Brasil, 2009), institui em seu Artigo 6°, Inciso I, a ética como um dos princípios a serem respeitados na elaboração e desenvolvimento das propostas pedagógicas de educação infantil, enaltecendo o papel da autonomia como um dos principais objetivos a serem alançados.

Tal importância merecidamente atribuída à questão do desenvolvimento da autonomia, nos impulsiona a aprofundar o conceito, observando-o sob perspectiva analítica, o que inevitavelmente nos remete à teoria piagetiana, já que muitos pais e professores se questionam recorrentemente sobre o que permitirá que algumas crianças se tornem moralmente autônomas.

A autonomia pode ser compreendida de modo geral como um processo de dimensão cognitiva, que precisa ser encorajado na Educação Infantil, pois, além de decisivo para a formação da personalidade da criança, ele se impõe ao fazer e ao pensar e representa a evolução das estruturas mentais defendidas por diferentes teóricos desenvolvimentistas como Vygotsky e Piaget, este último, a quem lançaremos um olhar mais aprofundado.

Por meio de revisão bibliográfica, assentiremos que Piaget defendeu que o desenvolvimento das práticas autônomas é favorecido pela experiência diária da criança, em um espaço favorável à tomada de decisões e que considere situações significativas na aprendizagem. Outro ponto relevante é a importância atribuída por Piaget à interação social, já que a socialização da criança é imprescindível para sua segurança relacional, desenvolvimento cognitivo e ampliação de autonomia, seja pela busca de informações, pela expressão do pensamento ou debate de ideias.

 

 EDUCAÇÃO E LIBERDARDE

 

            Pode-se considerar o epistemólogo suíço Jean William Fritz Piaget (1896-1980), sobretudo tomando em consideração o ambiente sócio-moral e a abordagem educacional construtivista, como um dos mais influentes teóricos e pensadores do século XX. Estudou profundamente abordagem interdisciplinar para a investigação epistemológica que suscitou influência na área pedagógica posteriormente e registrou a Epistemologia Genéticateoria do conhecimento com base no estudo da gênese psicológica do pensamento humano. Segundo Piaget (1967, p. 7): “Uma segunda aproximação do que seja epistemologia, pode ser entendida como [...] o estudo da passagem de estados de menor conhecimento para estados de um conhecimento mais fundamentado.”.

Segundo Piaget (1944), para que uma educação caminhe a favor da liberdade, pressupõe-se primeiramente uma educação da inteligência, sobretudo, da razão, não sendo totalmente livre o sujeito submetido à tradição, anarquia interior ou autoridade social, sendo assim impedido de pensar por si mesmo, ou oscilando entre o seu eu e seu inconsciente.

Para Piaget (1944), é livre, contudo, quem sabe julgar criticamente, atribui sentido às experiências pessoais, e busca coerência lógica, sem depender de autoridade externa, a serviço de uma verdadeira razão autônoma.

Segundo o mesmo autor, a liberdade intelectual praticamente não é preparada pela escola tradicional, visto que esta é dominada por uma autocracia absoluta, correndo o risco de oferecer ao professor o status de símbolo tradicional do saber pré-estabelecido e autoridade intelectual. As escolas, ainda, favorecem o trabalho repetitivo, sob pressão e sem sentido. Contudo, Piaget (1944) colocou a impossibilidade de aprender-se a pensar num regime autoritário já que, para ele, pensar é buscar respostas por si, criticar e demonstrar opiniões de modo autônomo. Para que o pensamento ocorra, pois, faz-se imprescindível o livre jogo das funções intelectuais, sendo urgente formar inteligências ativas e favorecer o espírito crítico, discussão que se estende até a atualidade.

Para favorecer a autonomia, Piaget (1944) coloca a condição sine qua non do desenvolvimento de propostas na própria escola, em que os alunos sejam ativos em pesquisas e experimentos, discussões, cooperando. Assim, os próprios educadores aprimorariam o domínio da razão, favorecendo a descoberta da lógica, ao invés de ensiná-la de modo artificializado. Os estudos de Piaget (1932) nos colocam ainda que a moral da obediência ou da heteronomia praticada em geral nas escolas pelo autoritarismo dos professores conduz ao extremo conformismo social, devaneio solitário ou egocentrismo anárquico.

Os estudos de Piaget (1932) nos colocam que a moral da obediência ou da heteronomia praticada em geral nas escolas pelo autoritarismo dos professores conduz ao extremo conformismo social, devaneio solitário ou egocentrismo anárquico.

Contudo, a vida social conduz a situações saudáveis e cooperativas, cuja disciplina é espontaneamente consentida, como o método dos trabalhos em grupos e o “self-government”, fruto de resultados positivos constatados, em que os próprios alunos organizam-se ou tem responsabilidades atribuídas. Outro aspecto favorável é a moral dos jogos, e fonte de valores novos, não simplesmente impostos pelos adultos, mas construídos pelas crianças. E a autonomia, fruto dos nossos estudos, seria exatamente desenvolvida nesta atmosfera cooperativa, opondo-se veementemente à heteronomia e anarquia. Numa relação hierárquica, desigualdade é a posição na qual a pessoa mais fraca cede às vontades da mais forte. Os adultos não são a única ideia de autoridade, as crianças podem dar opinião efetiva em sala, expondo seus pontos de vista e eventuais discordâncias.

Piaget (1932), na sua obra “O julgamento moral na criança” (1932), questiona-se sobre a verdadeira intenção de os professores desejarem preparar cidadãos livres e interiormente disciplinados, e não simplesmente conformistas e externamente submissos, encorajando-os a se inspirarem na prática real da classe, a partir de um ideal verdadeiramente democrático.

 

Anomia, heteronomia e autonomia

 

Segundo Tognetta (2004) criança nasce na anomia, que corresponde à ausência de regras, e vai vivenciando uma necessidade gradativa de regras para sua adaptação ao mundo à medida que convive nele e com seu entorno social. Em outras palavras, a necessidade de regras acaba lhe sendo imposta por um meio externo representado também pela convivência, interiorizando regras que não necessariamente propiciam a apropriação de um contrato.

Idealmente, a criança heterônoma cresce e se torna progressivamente mais autônoma, à medida que é capaz de autogovernar-se. Nesse processo, as regras deixam de ser interiorizadas para serem legitimadas, não por imposição, mas por participação contratual, ou seja, há uma evolução do respeito sobre o outro para a descentração e entendimento do ponto de vista do outro, constituindo assim, uma característica específica e primordial da teoria piagetiana: a relação entre moral e cognição.

Ainda segundo Tognetta (2004), apenas o sujeito capaz de descentrar-se é capaz de coordenar pontos de vista, caracterizando o pensamento que pode ir e vir e justapor-se, chamado reversível. Neste caso, há condição recíproca para a regra e, havendo reciprocidade, há proximidade à autonomia. Neste caso, o sujeito não pensa através de instrumento exterior, como ordens autoritárias, por exemplo, mas por instrumento interno muito além da interiorização, capaz de legitimar um juízo que passa a ser próprio e consciente. O pensamento reversível que vai e vem, consegue pressupor o que o outro pode estar pensando, em suas razões para determinada conduta e voltar-se para a análise das próprias ideias.

Sendo assim, a autonomia não pode ser resumida pela relação sincrônica entre respeito e obediência visto que é perfeitamente possível obedecer sem respeitar quando, por exemplo, há temor envolvido, ou simplesmente, marcas de heteronomia. É possível então assentir que a moral está diretamente relacionada ao respeito, porque existe obediência heterônoma na interiorização se, legitimação, mas, por outro lado, existe obediência autônoma na legitimação de valores como constituinte contratual.

Piaget utilizou uma série de entrevistas clínicas e sobre jogos de regras e dilemas morais a fim de entender a fundo a evolução da moralidade infantil desde a anomia, caracterizada pela absoluta ausência de regras até a autonomia, ou estado de autogoverno.

Deste modo, Piaget descreve diversos dilemas morais que possibilitam pensar em desfechos divergentes para verificar no pensamento infantil a evolução da noção de justiça. Piaget também utilizou jogos de regras para interrogar as crianças e distinguir estágios do pensamento infantil, até o último estágio do respeito unilateral, característico de sujeitos em desenvolvimento autônomo.

Contudo, segundo Piaget (1948), a maioria dos adultos não se desenvolve desta forma, interrompendo a construção de autonomia num nível baixo, o que pode ser confirmado pelas notícias de roubos, corrupção, assassinatos, dentre outros. Piaget, portanto, distingue as duas morais, denominando-as de moral da obediência (heteronomia) e moral do bem (autonomia).

Segundo Piaget (apud Kamii[1], 1998), a autonomia refere-se à capacidade de tomar decisões, independente da punição e recompensa decorrentes destas.

A autonomia tem estreita ligação com as relações humanas, envolvendo a capacidade de autogovernar-se. Piaget classificava a autonomia em dois campos, o moral, relacionada ao que é certo e errado e o intelectual, relativo ao verdadeiro e falso.

Como exemplos clássicos, temos o americano Martin Luther King (1929-1969), que defendendo sua autonomia moral, lutou pelos direitos civis de igualdade e dignidade racial, independente das severas punições que sofrera. Já o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1547), demonstrou ser autônomo intelectual, quando defendeu publicamente sua teoria de que seria a terra que gira ao redor do sol, e não o contrário, independentemente da não aceitação e refutação de sua ideia.

Já o conceito de heteronomia está inversamente relacionado à autonomia e pode ser reforçado pela escola, que trabalha muito a partir de recompensas e punições como forma de controle comportamental. Geralmente a decisão sobre as propostas na escola é unicamente do professor, não se encoraja a discussão crítica, manifestação de opiniões e pontos de vista diferenciados. A pessoa heterônoma, então, modifica seu comportamento moral independente do contexto, não sendo fiel a ela mesma. Na educação heterônoma, visa-se o padrão comportamental para a tranquilidade e facilidade do trabalho do professor, que não se inclui como causa ou agente mobilizador na ocorrência de desafios, conflitos ou problemas escolares diversos.

Para o psicólogo La Taille (1999), um sujeito pode ser dito autônomo sob ponto de vista moral quando mesmo diante de de mudanças de contextos e de pressões sociais, ele se mantém fiel a seus valores, ou seja, a criança se torna autônoma quando passa a agir do mesmo modo em situações diferentes, pois é guiada por princípios específicos.

A autonomia está relacionada à moral da cooperação e por isso, está pautada nas relações humanas, pela motivação de alcançar-se gratificação pessoal por êxitos conquistados, pela luta pelos direitos, pela capacidade de autogovernar-se. Ao contrário, a heteronomia refere-se ao controle externo, à moral coercitiva, à obediência cega, à regulação de conduta. Em geral, o heterônomo é controlado por outra opinião e teme a punição, agindo em benefício próprio, a fim de obter um favorecimento pessoal caracterizado por recompensa material. O heterônomo pouco percebe o outro porque não possui instrumento psicológico que lhe permita colocar-se em seu lugar. Como consequência, tende a eximir-se de culpa e responsabilidade, atribuindo erros e insucesso aos outros.

Piaget, por meio de suas pesquisas, deu exemplos, sobre a autonomia moral, por exemplo, perguntando a crianças de 6 a 14 anos se era pior mentir a um adulto ou criança. Nesse caso, os pequenos afirmavam de modo sistemático ser pior mentir a um adulto justificando que os adultos saberiam que se trataria de uma mentira. Esta situação regulada pelo receio da descoberta e punição caracteriza traços de uma moral heterônoma.

Já as crianças maiores tendiam a responder que por vezes se sentiam impelidas a mentir aos adultos, mas consideravam maldoso fazê-lo com crianças menores, incapaz de perceber a mentira, caracterizando um aspecto moral da autonomia. Para os autônomos, na perspectiva piagetiana, as mentiras não são positivas, independentemente de serem descobertas.

 

AS ESTRUTURAS DA INTELIGÊNCIA DA CRIANÇA SEGUNDO PIAGET

 

 

Para melhor compreendermos a construção de autonomia, faz-se necessário compreender de modo resumido como se dá o desenvolvimento das estruturas mentais ao longo da vida, visto que destas dependem o desenvolvimento moral e intelectual da criança.

Ao longo de seu desenvolvimento, a capacidade da criança de conhecer o mundo amplia-se de modo considerável. Para que o bebê chegue a um pensamento puro que independa da ação concreta e possa raciocinar através de símbolos e não necessite do apoio de objetos concretos, há significativa progressão do pensamento até o final da adolescência. Piaget reconhece seriamente o papel do meio ambiente, dos pares e não estabelece rigidez na proposição das faixas etárias, apenas parâmetros evolutivos gerais, mutáveis de acordo com o contexto. Todos os adultos com quem a criança convive também têm papel não apenas fundamental, mas decisivo na sua formação intelectual e moral.

Aproximadamente dos 0 aos 2 anos, no período sensório-motor, a criança dispõe apenas seus esquemas de ação como recurso de resolução. No período pré-operatório que vai dos 2 aos 6-7 anos, os esquemas interiorizados ganham a forma de estruturas intuitivas. Em seguida, no período de 7-8 anos aos 11-12 anos em média, quando aparecem as estruturas operatórias concretas, as intuições passam a ser reversíveis, coordenadas em sistemas. Finalmente, na adolescência, estas estruturas se transformam em estruturas operatórias formais (MANTOVANI DE ASSIS, 2010).

O meio se constitui como recurso primordial para que esta construção caminhe adequadamente. Mesmo o bebê que nasceu com todas as faculdades mentais preservadas e funções biológicas para vir a ser inteligente só conseguirá alcançar as fases finais da construção das estruturas cognitivas dependendo dos estímulos que o ambiente físico e social lhe promover. Isto é, dependendo da qualidade dos problemas que a criança encontra dia a dia e outros que lhe introduzimos de modo planejado, favorecendo o desenvolvimento de sua inteligência e, consequentemente, autonomia.

 

O desenvolvimento da autonomia moral

 

Segundo Piaget (apud KAMII, 1982), os adultos reforçam ainda mais a heteronomia natural das crianças quando utilizam os castigos e recompensas, por exemplo. Mas, em compensação, podem favorecer fortemente o desenvolvimento a autonomia quando intercambiam pontos de vista com as crianças, colocando-as em situações reflexivas.

As punições podem acarretar três tipos de consequências não desejáveis: sendo a mais comum o cálculo de riscos, quando o preço é compensado pelo prazer que obterá. A segunda consequência é a conformidade cega, quando tudo o que precisam fazer é aceitar e obedecer. A terceira consequência é a revolta, com comportamentos que caracterizam a delinquência.

Em resumo, a punição reforça a heteronomia e em nada desenvolve a autonomia. Do mesmo modo, embora menos nocivas, as recompensas também a reforçam, já que em função delas a criança passa a ser regulada pelos outros.

Este poder de controle comportamental exercido pelo adulto usando as recompensas e castigos são formas precisas e eficazes de as manterem obedientes, porém, heterônomas. Somente na relação em que o poder adulto é diminuído ao máximo é que a criança terá chances de desenvolver sua autonomia.

Para tal questão das relações cooperativas, Piaget (1932, p. 393) discute:

 

Para descobrir-se a si próprio como um indivíduo particular, é necessária uma contínua comparação, resultado da oposição, da discussão e do controle mútuo. Somente o conhecimento de nossa natureza individual com suas limitações, como com seus recursos é que aumentamos a capacidade de sair de nós mesmos e colaborar com outra natureza individual. Consciência do eu individual é, por isso, um produto e uma condição de cooperação.

 

 

Segundo Kamii e Vries (1991), Piaget é incisivo sobre a necessidade absoluta de conceder à criança a liberdade de escolha e decisão, encorajando-a a tornar-se mais autônoma em relação ao adulto, embora ele reconheça que no cotidiano real não seja salutar dar aos pequenos a liberdade ilimitada, evitando totalmente a interferência coercitiva adulta.

 

Mas no dia a dia a vida é impossível evitar certas injuções cujo significado não parece ter imediatamente qualquer sentido do ponto de vista das crianças, tais como ir para a cama, ter refeições em horas certas, não estragar as coisas, não tocar nas coisas que estão na mesa do pai etc. (PIAGET, 1932, p. 178).

 

Segundo Piaget, existem situações nas quais o adulto precisa ser coercitivo porque são responsáveis pela acuidade física ou melhor, sabem mais sobre sua saúde e segurança e devem prover um meio físico e psicológico estável. A questão central é quando e como exercer autoridade, porque cada contexto revela uma complexidade de consideração de muitos fatores, sendo necessário haver relação de respeito entre adultos e criança, o que ajuda a minimizar a coerção adulta desnecessária.

Ainda assim, Piaget em sua obra, explica como os adultos usam sanções para evitar que as crianças transgridam as regras inevitáveis: as expiatórias e as por reciprocidade. As primeiras são caraterizadas por uma desproporcionalidade entre a punição e a falta cometida, resultado de coerção e relações arbitrárias. Já as por reciprocidade, são caracterizadas por terem relação lógica com o ato de sancionar, valorizando a legitimação das regras e a reflexão. Elas têm o efeito de motivar a construção de regras por coordenação de pontos de vista.

Para que as crianças desenvolvam sua autonomia moral, faz-se necessário abster-se da utilização da recompensa e punição a favor da construção dos próprios valores morais. Por exemplo, só é possível que a criança reconheça o valor da verdade se, ao invés de ser punida e não o fazer pelo medo, a criança for confrontada com a problemática de que os outros não poderão confiar ou acreditar nelas.

Um dos principais objetivos da educação para a autonomia é que as crianças sejam capazes de fazer decisões por si mesmas, sem que seja confundida com liberdade completa, já que a autonomia considera os fatores relevantes para decidir como agir para o bem de todos, não podendo haver moralidade na consideração de um único ponto de vista. A autonomia pode se caracterizar, portanto, pela autorregulação ou controle interno que desenvolvemos sobre as regras de conduta para as diversas situações, ou seja, é um processo de construção interior e individual, que necessita de um adulto autônomo para contribuir e estimular em seu desenvolvimento.

É possível assentir que a teoria de Piaget sobre como as crianças desenvolvem seus valores morais é diferente das outras teorias tradicionais e do senso comum. Na perspectiva tradicional acredita-se que a criança aprende os valores morais internalizando-os a partir do meio ambiente, enquanto Piaget aponta que as crianças não os absorvem de fora, mas os constroem internamente, na interação com o meio.

Para Piaget e seus seguidores, autogovernar-se não significa fazer o que se quer, mas, pelo contrário, representa uma forma de obediência autônoma, na qual os valores se encontram legitimados de tal modo no sujeito, que simplesmente integram-se ao seu juízo, pressupondo comportamentos prescritivos também (TOGNETTA, 2003).

 

O desenvolvimento da autonomia intelectual

 

As diferenças entre teoria e prática, muitas vezes, demonstram o espaço existente entre um propósito e aquilo que impede a sua realização. Dentre tantos meios encontrados para se obter a leitura plena, optou-se por movimentos, práticas e ações que procuram reduzir esse afastamento e colaborar para a inserção do indivíduo no meio social, caracterizando-o como cidadão participante, saindo de um fazer isolado para um fazer compartilhado.

            Esse processo tem por inspiração a obra e a prática de Paulo Freire que sempre esteve como mediador, relatando o que viu e ouviu em suas experiências, fazendo valer a dignidade do ser humano por meio de uma educação reflexiva, dialogante, que favorece a troca de conhecimentos e realizações, percebendo na leitura a capacidade de infinitas possibilidades que enunciam a compreensão crítica da alfabetização e da necessidade da biblioteca, complementária e enlaçada à sala de aula, como centro de cultura ativa.

            É importante que haja um ambiente harmonioso, onde a criança possa desenvolver seu potencial como leitor, sem imposições, castigos, desconfortos.  Deve ser uma experiência positiva, que a estimule a frequentar e a participar de projetos e atividades de aprendizagem que contribuam para sua autonomia, criticidade e criatividade em relação à leitura. Como ressalta FURTH (1982, p.22) “a motivação da leitura encontra-se fora do processo de ler; é extrínseca”, tendo o educador como elo entre a cultura da sociedade e o educando.

 

AUTONOMIA COMO FINALIDADE DA EDUCAÇÃO

 

Muitos educadores afirmam o quanto desejam que seus alunos desenvolvam a autonomia moral e intelectual, contudo, poucos verdadeiramente conhecem a distinção essencial entre autonomia e heteronomia. Por terem passado por uma educação conservadora e muitas vezes repressora, reproduzem um modelo ultrapassado sobre como fazer crianças supostamente “boas” e “educadas”, valendo-se de recursos punitivos e compensatórios, acreditando que estes os beneficiarão na constituição de sua cidadania, representada por adultos intelectualmente capacitados e solidários. Outros adultos, ainda, não revelam segurança ou conhecimento de como desenvolver a autonomia de seus alunos, ou creem que esta é uma responsabilidade exclusiva da família.

O resultado da educação por memorização pode ser conhecido por intermédio das pesquisas de McKinnon e Renner (1997, apud KAMII, 1983) e Schwebel (1975, apud KAMII, 1983) referentes à capacidade dos estudantes do primeiro ano universitário, que eram os melhores alunos nas escolas regulares, pensarem ao nível das operações logico-formais. Esses bem-sucedidos universitários, contudo, capazes de raciocinar sistematicamente ao nível lógico-matemático e lógico-formal era de apenas 25% na pesquisa de McKinnon e Renner e 20% na de Schwebel. Eles chegaram à conclusão de que indivíduo incapaz de refletir logicamente é naturalmente impedido de refletir de modo crítico e autônomo, resultado da prioridade do sistema educacional promovido.

A maioria dos alunos que obtêm êxito escolas só o conseguiram por intermédio da memorização ou do preparo para passar nos exames, dos quais geralmente sentem-se agradavelmente livres, porque são formados para a obediência conformista.

A autonomia como finalidade educativa é uma ideia que, apesar de largamente discutida, é relativamente nova, pois na prática, não se aplica de modo geral. Porém, poderia ser vista como um regresso a antigos valores e ao cerne das relações humanas. É necessário, então, refletir sobre como as crianças aprendem e se desenvolvem pois, com o desenvolvimento da autonomia, é possível resgatar inclusive velhos valores como a importância do estudo e da autodisciplina. Crianças respeitam de modo legítimo as regras que elas mesmas elaboram e trabalham com empenho para atingir suas próprias metas, e não metas desejadas por outrem.

A teoria piagetiana, segundo Kamii (1983), não traduz, absolutamente, um novo método para atingir metas tradicionais similares às já conhecidas. Ao contrário, a autonomia como finalidade da educação pressupõe uma ressignificação de objetivos. Há de se perceber a diferença entre a resposta correta por convicção pessoal autônoma, fruto da autonomia intelectual, da resposta decorrente da heteronomia obediente. O bom comportamento pode existir e ser desejável quando escolhido e legitimado de maneira autônoma, mas pode ser aprendido em nome da conformidade cega não reflexiva.

Alguns professores, generalizando a premissa de que o desenvolvimento da inteligência é condição essencial para o desenvolvimento moral, acabam priorizando o trabalho com a cognição. Outros, simplesmente desenvolvem projetos circunstanciais e isolados, em que discorrem ou discutem temas como paz, cidadania, bullying etc. São procedimentos necessários, contudo, não suficientes. Toda atividade humana é conduzida por valores e princípios que implicam julgamentos, e seu desenvolvimento, incluindo como se deve agir perante o outro é que se alcança o desenvolvimento moral. Não basta conhecer, faz-se necessário vivenciar e querer fazer, representado pela dimensão afetiva da aprendizagem.

Bagat (1986, apud TOGNETTA, 2007) apresenta em seus estudos a dependência da autonomia moral ao desenvolvimento intelectual, relacionando-a a uma educação democrática e cooperativa, comprovando que os educadores dogmáticos que centralizam a verdade não auxiliam a construção da responsabilidade. Por outro lado, ambientes democráticos podem desenvolver a capacidade de o sujeito julgar autonomamente, auxiliando na passagem da heteronomia para a autonomia.

De Vries e Zan (1995) também concluíram com base em pesquisas comparativas entre o comportamento de crianças que foram educadas em ambientes autoritários e outras em ambiente sócio-moral construtivista, que estas últimas apresentavam um maior desenvolvimento sociomoral, estabelecem relações mais coperativas com os colegas, rumo a um desenvolvimento da autonomia.

Tognetta (2003) também verificou através de pesquisas a evolução da disposição para a solidariedade em crianças que viveram em ambiente cooperativo.

Também podemos citar a experiência do programa formativo promovido pela Unicamp, o PROEPRE, que procura traduzir a teoria piagetiana em ações concretas e eficazes, devidamente acompanhadas quando implantadas em sistemas educacionais voltados à Educação Infantil, cuja eficiência já foi constatada através de pesquisas pioneiras da coordenadora do projeto, Orly Z. Mantovani de Assis (2010). Deste modo, pode-se indagar-se sobre a necessidade de ampliar práticas construtivas, a fim de favorecer a qualidade da Educação Infantil como caminho para a construção de autonomia.

 

Construindo autonomia na prática educativa

 

Dos 2 aos 7 ou 8 anos, aproximadamente, ou seja, quando ingressa na escola no período pré-opertório, a criança utiliza a intuição como pensamento para sanar dificuldades, dúvidas e encontrar soluções. Seu pensamento é dominado por suas ações, ou seja, pelo que ela literalmente vê, ouve, tateia, cheira, degusta e como se move. Suas resoluções são baseadas na aparência observável dos fatos. Seu pensamento é intuitivo, mas ainda não reversível, condição que possibilita que ela chegue a um pensamento mais evoluído das operações. Características como animismo podem aparecer no início desta fase. Nessa faixa etária, aproximadamente, ocorre a interiorização das ações que outrora eram meramente perceptivas e motoras, surgindo a representação simbólica e a linguagem. As importantes noções do objeto, espaço, tempo e causalidade passam a ser reconstruídas intuitivamente, fazendo com que a criança manipule simbolicamente a realidade, não havendo ainda operações reversíveis, mobilidade de pensamento, nem conservações características do período seguinte das operações concretas, o qual não será mais foco desta pesquisa.

A afetividade é uma espécie de força motriz de determinada ação ou objetivo, caracterizando sua inteligência, quando bebê, de prática. Suas ações mentais isoladas passam a ser combinadas em esquemas de ação até que, por volta dos 5 anos, passa a coordená-las e chega a raciocinar com lógica.

Diante destas características, torna-se óbvia a necessidade de concretude e significado na aprendizagem, bem como experiências sensoriais e motoras relevantes, movidas pelo afeto de “querer fazer”, e não pela mera repetição automática dos exercícios prontos e sem sentido para a criança.

As pesquisas de Piaget (apud MANTOVANI DE ASSIS, 2010) nos indicam que a lógica não é inata na criança, e determinados raciocínios lógico aparecem somente a partir de certo nível mental, cabendo consequentemente à Educação Infantil a tarefa imediata de garantir a toda e qualquer criança a possibilidade de construir os instrumentos psicológicos que a tornam capaz de raciocinar com lógica, rumo a uma autonomia moral e boa convivência cidadã.

 

 

O direito à educação [...] não é apenas o direito de frequentar escolas: é também na medida em que vise a educação ao pleno desenvolvimento da personalidade, o direito de encontrar nessas escolas tudo aquilo que seja necessário à construção de um raciocínio pronto e de uma consciência moral desperta. (PIAGET, 1948, p. 53).

 

 

Isso não seria possível, logicamente, se submetermos as crianças ao constrangimento moral ou intelectual que as impede de reinventar o conhecimento e ser moralmente autônomas. Quando analisados, os currículos das instituições infantis nos apontam diferentes concepções, como a extensão recreativa do lar ou da promoção do enfrentamento do Ensino Fundamental e não, como deveriam, criar condições para o desenvolvimento global da criança. A carência de estímulos adequados e a negligência ao desenvolvimento intelectual da criança impede a criança de fazer suas descobertas, evoluindo moralmente, uma vez que a adequada estimulação precoce é fator crucial no desenvolvimento psicológico infantil (MANTOVANI DE ASSIS, 2010).

Na Educação Infantil, a partir do momento em que se possibilita a tomada de decisões, as escolhas, a manifestação dos sentimentos, a avaliação do dia ou da proposta, a resolução do conflito, a construção coletiva de regras, os debates, a ocorrência de projetos de interesse, como consequência se está promovendo intensamente o desenvolvimento de autonomia.

Na obra de Tognetta (2003, p. 120-184), aliás, encontra-se um guia útil para trabalhar-se a educação do sentimento, com propostas viáveis de trabalho com afetividade na escola através de recursos como jogos de sentimentos e procedimentos construtivos de (auto) avaliação desde a Educação Infantil.

Vinha (2000), ressalta a importância de a criança pequena ter a oportunidade de tomar pequenas decisões para que conquiste autonomia. Outro aspecto ressaltado pela autora é a necessidade de minimizar ao máximo a coerção adulta, visando a propiciar a independência e autonomia das crianças, sendo a oportunidade de assumir pequenas responsabilidades e a resolução de problemas, exercícios preciosos de desenvolvimento moral. A própria organização da sala de aula e a maneira como o professor administra as respostas, desencorajando o pensamento investigativo, podem ser fatores que venham de encontro ao desenvolvimento da autonomia. A autora destaca, em sua obra, dentre as já citadas, propostas como o planejamento do dia e a roda inicial e as atividades diversificadas. Contudo, para Vinha, o professor que pretenda desenvolver um ambiente sócio-moral estimulador da autonomia não pode menosprezar o valor da afetividade que, segundo Piaget, motiva o próprio comportamento, não sendo a causa da inteligência, mas intervindo no conteúdo de suas estruturas. La Taille (1999) nos indica que o valor é central para o entendimento de afetividade, pois esta é a origem das valorizações, que por sua vez, indicam a motivação da ação.

Para Piaget (1973, p. 10), a Educação Infantil precisa investir em:

 

 

[...] um ambiente moral e intelectualmente enriquecedor, capaz de compensar, por sua atmosfera e sobretudo pela abundância e diversidade do material usado, a pobreza do ambiente familiar no tocante aos estímulos à curiosidade.

 

CONCLUSÃO

 

O termo autonomia, apesar de largamente difundido, e cuja importância é merecidamente reconhecida, nem sempre é promovida no ambiente escolar. Ao contrário, muitos educadores, desconhecendo o real sentido pesquisado pela epistemologia genética de Piaget, acabam por reforçar a heteronomia por intermédio de uma escolarização sem sentido e em nome do dever, pautada, por exemplo, em obrigações morais de obediência coercitiva.

A revisão bibliográfica desta pesquisa indica que para Piaget, a moral da autonomia está diretamente relacionada à cooperação, reciprocidade, respeito mútuo e moral racional. Isto é, pode-se dizer que há autonomia moral quando o sujeito considera um ideal racional independente de pressão externa. O desenvolvimento da autonomia depende, pois, da evolução do pensamento da criança que, conforme a obra de Piaget revela, estrutura a inteligência e consequentemente a realidade em esquemas, tais como os sensório-motores, simbólicos e operatório-concretos. Para ele, tanto a interação do sujeito cognoscente quanto a existência do objeto de conhecimento, representado pelo meio, são imprescindíveis para o desenvolvimento das estruturas mentais. A obra de Piaget proporciona sólida base científica para propostas cotidianas, realçando o papel do pensamento na aprendizagem e, uma vez que compreendermos o que é autonomia e como se processa seu desenvolvimento, podemos debater de modo construtivo métodos específicos e práticas em sala de aula.

Comprova-se, ainda, por meio das das pesquisas de Mantovani de Assis, Rheta de Vries, Vinha, Tognetta, Kamii e do próprio Piaget, a hipótese de que o ambiente determina o desenvolvimento moral das crianças, bem como sua autonomia. Os resultados apresentados por tais teóricos apontam, em suma, que as crianças advindas de um contexto cooperativo são mais propensas a desenvolver solidariedade, noção social e autoconfiança, necessária para a autonomia.

Na abordagem piagetiana, o professor não tem o papel de repassar informações, mas sim de gerar boas perguntas, desestabilizando o equilíbrio momentâneo dos alunos e levando-os a atingir ferramentas que lhes permitam usufruir do raciocínio lógico. Nesse sentido, remetemo-nos aos ambientes sócio-morais, em que o conhecimento não é lançado de antemão, mas, na verdade, reconstruído a partir de estruturas cognitivas do aprendiz em sua interação com o meio físico e social.

Piaget define o desenvolvimento como uma equilibração progressiva, existindo uma estreita ligação entre inteligência, vida social e afetividade, sendo que cada estágio de equilíbrio conquistado pela criança representa avanço nestes três importantes aspectos indissociáveis.

Para desenvolver então a autonomia, é preciso encorajar a curiosidade natural da criança, sua iniciativa para execução de tarefas, resolução de conflitos e desejo por independência, suas proposições de ideias, lutando construtivamente para não lhe desencorajar dando respostas e exercícios prontos, vedando seu pensamento criativo e, consequentemente, sua cognição e desenvolvimento autônomo.

A autonomia é, portanto, uma moral baseada em princípios universais de solidariedade, respeito mútuo e reciprocidade, sendo imprescindível o seu favorecimento desde os anos iniciais da Educação Infantil, devendo o educador recorrer muito mais à autoridade legitimada do que ao autoritarismo.

 

REFERÊNCIAS

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LA TAILLE, Y. de. A dimensão ética na obra de Piaget. In: Caderno Idéias, nº 20, 1999, pp. 75-81

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VINHA, Telma P. O educador e a moralidade infantil: uma visão construtivista. Campinas: Mercado de Letras, 2000.

______; MANTOVANI DE ASSIS, Orly Z. A autonomia, as virtudes e o ambiente cooperativo em sala de aula: a construção do professor. In: TOGNETTA, Luciene R. P.(org.) Virtudes e Educação. Campinas: Mercado de Letras, 2007. p. 159-295.

 


[1] A pedagoga nipo-suíça Constance Kamii é professora na Universidade do Alabama Birmigham (EUA), foi aluna e colaboradora de Piaget por 15 anos e encontrou na teoria de Genebra seu referencial teórico, que difunde largamente, acreditando que a autonomia deve ser a finalidade educativa máxima.